Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 30 de junho de 2016

"Quo vadis, Tupiniquim?"

"Quo vadis, Tupiniquim?"
Januário Bezerra
A necessidade de afirmação é inerente à condição humana e, portanto, essencial às pessoas e aos povos. Não por outra razão, os fenícios foram notáveis no comércio; os egípcios desenvolveram três tipos de escrita, enquanto os gregos legaram ao mundo um expressivo patrimônio artístico e filosófico. Os romanos, mercê de benefícios hauridos na absorção da cultura helênica, fizeram o mundo conhecer o direito civil. Em seguida, Veneza brilhou na arquitetura; Florença foi capital da moda e berço do Renascimento italiano; os povos ibéricos dominaram o mundo na navegação. A Inglaterra promoveu a revolução industrial e a França concebeu o Estado laico, oferecendo ao mundo a formatação política ainda hoje adotada pelas nações, com base no Iluminismo.
A terrinha, porém, onde outrora se escondeu a Corte Portuguesa fugindo da sanha napoleônica, parece fora do alcance vocacional para assinalar a história com grandes feitos, apesar até mesmo do que se pode creditar em favor de Portugal e Espanha. Quem não tem méritos para honrar o próprio passado, muitas vezes se faz notável por razões pouco louváveis. Assim, fomos nós [então Império do Brasil] o derradeiro Estado a abolir a escravatura no continente americano. Se tanto não bastasse, ainda abandonamos o negro à própria sorte. Embora liberto, ele ficou largado e sem salário; sem saúde, sem emprego, e sem educação, a protagonizar processo de degenerescência social e econômica que hoje, cento e trinta anos depois, vemos desaguar na deterioração moral que aí se agiganta a estarrecer o mundo. Apesar da inequívoca melhoria institucional, a partir da Constituição cidadã de Ulisses Guimarães, de saudosa memória, o Brasil de hoje está mais para a Grécia quase posta fora [há pouco tempo] da União Europeia que para a Grécia do apogeu helênico. Hoje, o Brasil tem mais afinidade com a Itália de Berlusconi do que mesmo com aquela outra de Cícero e Petrarca.
Enquanto o mundo capitalista buscava cortar na própria carne, por assim dizer, na tentativa de sobrevivência em relação à crise de 2008, que por muito pouco não fez sucumbir a economia norte-americana, o Brasil era notícia como participante aplaudido do grupo de nações emergentes, conhecido pelo acrônimo BRICS. Hoje, passado pouco mais de um lustro, o mundo vê com reserva e apreensão o escândalo monumental em que anda mergulhada a maior e outrora mais expressiva empresa brasileira, até bem pouco tempo avalista inquestionável, eu diria, de toda a pujança nacional.
A operação Lava-Jato, já famosa e sempre noticiada na primeira página dos jornais em todos os quadrantes, há de ser objeto de análise pelo primeiro time de advogados, economistas e cientistas políticos aqui no Brasil e alhures. Há de fazer que a história nacional seja contada em duas etapas. Não há, portanto, da parte deste escriba, qualquer pretensão de abordá-la, é claro.
Na condição, porém, de brasileiro, que no mais das vezes desconfia de ter nascido em uma espécie de paraíso de perdulários para com a confiança alheia, admissível se faz um raciocínio algo heterodoxo com respeito à presente experiência, envolvendo todo o aparato jurídico-policial brasileiro. Se entre nós [pobres mortais] ainda se encontrasse o Dr. Heráclito Fontoura de Sobral Pinto, que nos diria aquele ilustre causídico sobre tão rumorosa tentativa de soerguimento moral da nação? Sua opinião seria por demais importante, haja vista ter sido ele o único advogado a defender, sem honorários, Luis Carlos Prestes no final dos anos quarenta, para tanto invocando em favor do seu cliente a própria lei de proteção dos animais.

Convém não esquecer, ademais, sua participação na campanha das “diretas, já”, quando, nonagenário, propôs uma nova Constituição com apenas dois artigos: o primeiro obrigaria todo brasileiro a ter vergonha na cara; o segundo revogaria todas as disposições em contrário. Outra opinião muito importante a auscultar seria a de Freud. Eu explico: em sua formulação científica, ao elaborar os fundamentos terapêuticos da psicanálise, a que dedicou toda a existência, aquele médico austríaco enfatizou um grupo de deformações comportamentais que se fizeram conhecidas pela expressão neurose de sexo. Quem sabe, no largo universo de indiciados e réus da Lava-Jato, Dr. Freud encontraria subsídios suficientes para reciclar a teoria psicanalítica, a partir do diagnóstico de algum novo tipo de patologia comportamental relacionada à pecúnia? Se neurose sexual [ao contrário dos anos 50 e 60] hoje é démodé, de repente a idéia fixa no enriquecimento ilícito poderia vir a constituir um novo filão da medicina dita moderna, que sempre garantiu ao mercado tratamento incomparavelmente superior àquele dispensado ao cliente.

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