Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Discurso de posse na Academia Cearense da Língua Portuguesa da poetisa Regine Limaverde



Discurso de posse na Academia Cearense da Língua Portuguesa da poetisa Regine Limaverde, no dia 22 de novembro de 2012

  
Senhor presidente
Srs. Acadêmicos
Senhores e Senhoras,
Que língua é essa trazida pelos portugueses quando descobriram o Brasil?
Que miscelânea fizeram com a fala dos índios sob o nosso céu de anil?
Mais tarde com a dos africanos, misturados às saudades, surgiram variações:
benzinho, nézinho, inhozinho, me diga, me espere, amenizando ausências, sangrando corações.
Que língua é essa tão dinâmica que ainda hoje sofre variâncias, anexando linguagens,
termos estrangeiros, termos internautas, termos inteligentes, termos bobagens,
mas que no fundo guarda a essência galega, romana, grega, latina?
Essa língua imortalizada por Camões que é falada muito longe, até na China,
foi cantada por Bilac “ A última flor do Lácio” e de oito países é a língua oficial.
É língua rica, dengosa que nem as escravas africanas, cheirosa que nem flor de bogari.
É língua bela, que expressa amor, saudade, ausência, tudo, tudo que se pensa aqui.
Não a uso para dela tirar meu pão, pois não sou professora de língua
embora dela, sempre viva à míngua.
Sou poetisa. Choro sentimentos, vivo centrada na natureza,
Gosto do cheiro de plantas, de sol, de mar, gosto da minha Fortaleza.
Sou deslumbrada com a vida, ainda que me persiga a morte.
Dela muito sofri, ao vê-la o amado carregar, e choro por sua ausência.
E choro por sua palavra, e choro por minha impotência
em não poder trazê-lo de volta e ser como antes era.
E é a língua portuguesa que me consola, é a palavra que me faz sonhar,
quando choro e, pelo amado estou a clamar.
É ela que me ajuda a contar de saudades, infelicidades.
Mas hoje é alegria, e se ele, o amado, comigo estivesse,
por certo estaria a sorrir, mas é com o fingimento de Pessoa,
outro abençoado poeta que do nosso português só fez coisa boa,
é dele que me valho, fazendo de conta que tenho alguém que faça conta de mim.
E os nossos antepassados quando aqui chegaram? E Cabral quando nossa terra avistou?
A quem ele sorriu pela primeira vez?
A quem deu um bom-dia num bom português?
Como teria sido sua viagem de medo, de vento, de fantasmas, de pavor?
Que sereias haverão de ter cantado e embalado o sonho dos descobridores?
Oh! Bendito Cabral que nossa língua trouxe. Apesar de cobiçadores
de nossas riquezas, de nossas pedras, de nosso ouro , foram os velejadores
homens de coragem, de força, de ferro, de audácia que o mundo aumentaram.
Não fora eles, seríamos um nada, um ponto perdido, selvagem, no equador.
Ah! Que dor!
E nossa língua, tão melhorada, tão dinâmica, seria ausente do continente.
Que inveja outros povos têm do português que aqui se fala e de toda nossa gente.
Nossa língua é viva, é voz que fala, é chama que arde, é sino que toca.
Tem doçura, tem rapadura, tem mel que escorre da boca.
Quando se fala é o som da voz do amado falando ao ouvido de sua amada.
Tem vida. Não é uma língua que arranha. É clara, é sonora, é delicada.
Pensando nessa beleza é que Itamar Filgueiras, meu antecessor
fez dela, da língua portuguesa, o seu verdadeiro amor.
Era ele que ensinava que nem sempre LHE é objeto indireto
e que há casos em que ele pode ser sujeito.
Quantos disso sabem?
Era ele o maior professor de concursos. Mudou a vida de muita gente.
Era homem sábio, justo, bom professor e eloquente.
Que mérito terei eu para sucedê-lo na Academia?
Sou apenas uma professora de Ciências, doutora em microbiologia.
Sei da vida das bactérias, sei de vidas primitivas, de célula procariótica.
Que papel teria eu no estudo da semântica, da sematologia, da semiótica?
Uso palavras para construção, mastigo-as para um bom significado.
Na arte de versejar preciso dar o meu belo recado.
Gosto de palavras sonoras e há tantas no nosso português: amor, prolixidade,
desconstrução, seixo, descontinuidade, orvalho, fenda, saudade.
Isto sem falar nas engraçadas cearenses: espilicute, biloto, gastura...
São tantas palavras bonitas , tantas e com tão belas costuras....
E o Patrono dessa cadeira? Cândido Figueiredo, filólogo e conhecido escritor
de um dicionário, e pela língua portuguesa, também cheio de amor.
À imitação de Cabral, nasceu em Portugal, em Lobão da Beira e morreu em Lisboa.
Da nossa língua e, de quem a ela se dedicou, sabemos tantas coisas boas!
Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, José de Alencar, Machado de Assis,
Tantos foram os escritores famosos e cuidadosos do português que eu li.
Da atualidade, mesmo ausente do mundo, li Herberto Sales, Cecília Meireles,
Clarice Lispector (a grande) e de agora: Marly Vasconcelos, Giselda Medeiros,
minhas amigas da Academia Cearense de Letras.
Também Ângela Gutiérrez, Carlos Augusto Viana, José Telles. Pedro Henrique Saraiva Leão,
Sem esquecer Luciano Maia, Artur Eduardo Benevides, Juarez Leitão,
De poetas nem é bom falar, para o coração dos não - citados não chorar,
mas o Francisco Carvalho, o Cid Saboya e o Vicente Alencar,
Não. Não poderia deixar de falar.
Meu obrigada a eles todos: ao José Augusto Bezerra, ao Horácio Dídimo, ao Linhares Filho e ao Genuíno Sales.
Foram eles que ajudaram às mulheres, que hoje tomam posse nesta Academia.
Seria ingrata, injusta, se não falasse. Eu sei que devia.
Finalmente, gostaria de lhes contar que este meu colar é uma condecoração
que meu trisavô , Barão de São Leonardo, ganhou de D. Pedro II
por ter participado heroicamente da “Balaiada”, capitão que era da Guarda Nacional.
O título de Barão havia ganho antes, do Rei D. Luís I de Portugal.
Esta, “A Imperial Ordem da Rosa”, foi instituída por Dom Pedro I, um presente de amor
à Rosa Amélia,sua segunda mulher, por quem ele se apaixonou.
Minha prima Maria Luísa tem no pescoço outra comenda
A “Imperial Ordem do Cruzeiro” que orgulhosamente ostenta,
também presente ao Barão, do nosso importante Imperador.
Um obrigada a todos, e saibam que o meu sangue não é azul, apesar do Barão.
No meu coração corre sangue vermelho, junto a vocês, que aí estão.
Quem vive de amigos não morre, vira estrela no céu, um sol, vira canção.
Parafraseando Álvaro Moreyra que falou que há palavras que
a gente diz e sente o gosto do que elas significam, digo sempre comigo:
uma palavra doce, gostosa, macia, sincera, é a palavra AMIGO.
Muito obrigada.

Nenhum comentário: