Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Príncipe dos Cirurgiões

                        O Príncipe dos Cirurgiões

                                                  Martinho Rodrigues
                    
                                
                        João é uma figura  carismática. Com  seu porte esbelto,
           caminhar a passos largos, seu sorriso quase infantil, sua simpli-
           cidade  e elegância no  trato com os pacientes, colegas e alunos,
           tornou-se  uma  unanimidade  que, contrariando  Nelson  Rodri-
           gues, não é burra. Diante das situações cirúrgicas mais  comple-
           xas, João encontrava  soluções simples e eficazes.
                        Estilista  do bisturi, no palco da cirurgia, ele era o  ator
           principal. Com suas mãos de pluma, olhos de águia, tinha o do-
           mínio completo de todo o campo cirúrgico.
                        Seus dedos  ágeis executavam um gracioso balé, restau-
           do feridas, extirpando tumores, semeando esperanças  e, muitas
           vezes,  fazendo  milagres  através de curas definitivas. Milagres
           que, não sendo fictícios,  certamente  não valeriam para que pro-
           puséssemos  a  sua canonização.
                        João, na  realidade, era uma espécie de Ademir da Guia
           dos cirurgiões. Como aquele grande e injustiçado craque palmei-
           rense  que, com  largas  passadas, sempre com elegância e maes-
           tria,  parecia  lento em  campo ( fazendo lançamentos que deixa-
           vam  César ou Leivinha  na “cara do gol” ou  invadindo a área e
           e  decidindo a  partida  no momento certo),  João também não ti-
           nha pressa.
                        Solicitado para  resolver os  casos cirúrgicos difíceis, o
           o fazia com tranquilidade enquanto discorria didaticamente,  pa-
           ra os seus auxiliares, a história de cada técnica cirúrgica a  ser e-
           xecutada, quem a havia imaginado, depois desenvolvido e  aper-
           feiçoado, com detalhes dos nomes  dos autores,  suas  origens, a-
           té  o  estádio atual –  uma  conferência  magistral, sem interrom-
           per o  nobre  artesanato  que  continuava  a  executar  com  suas
           mãos verdadeiramente “santas” como as de um mago do bisturi.


           João decidiu parar, precocemente,  fazendo-o  com a  dig-
 nidade e a calma que sempre o  caracterizaram.  Como  homem
 sábio, não quis correr o risco de passar da hora. Guardou o  bis-
 turi e  fez-se personagem viva  da  História da  Medicina  como
 um  dos  mais  completos  cirurgiões  de  seu tempo, aliando ao
 grande  conhecimento  médico uma  invejável cultura geral: his-
 tória da  Medicina, cinema,  música erudita,  MPB, pintura, lite-
 ratura, filosofia, teatro,  o que  tornava fascinante ouvi-lo  falar.
          A  exemplo  de Nilton Santos  no  futebol,  João é a “enci-
 clopédia”  viva da Cirurgia. É  preciso  recolher  e perenizar no
 Museu  da  Imagem  e  do Som da  Medicina ( que infelizmente
 não  existe) todo o  patrimônio  histórico-cultural  que  é  a  sua
 Biografia, para que ele,  que  tanto contribuiu para  a  formação
 dos melhores cirurgiões contemporâneos, continue a  servir  de
 exemplo às futuras gerações de  abnegados profissionais da Me-
 dicina Cirúrgica.
          Faço tão  importante registro  por  sentir-me  privilegiado
 em ter testemunhado o fazer hipocrático de uma geração de mé-
 dicos  notáveis, que foram meus professores, como Paulo  Mar-
 celo  Martins Rodrigues  ( o “Pai  da  Medicina Clínica” no Ce-
 ará), José  Murilo de Carvalho Martins ( entre  nós, o  “Criador
 da Hematologia”),  Antônio Lacerda  Machado (o  pioneiro dos
 transplantes), Fernando Antônio Mendes Façanha (organizador
 da Traumato-Ortopedia do HGF)  e, como companheiros de tra-
 balho no Hospital Geral de Fortaleza, José Iran de Carvalho Ra-
 belo ( padrão-ouro da Clínica Médica  contemporânea), Francis-
 co  Valter  Justa  Freitas  ( ícone   da  Oftalmologia   cearense),
 João Evangelista Bezerra - o Príncipe  dos Cirurgiões – e  com
 eles ter vivido os Anos Dourados de uma Medicina “romântica”,
 com menos tecnologia, menos desperdício e muito mais dignida-
 de e respeito aos pacientes e aos médicos.


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