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Vicente Alencar

sábado, 20 de fevereiro de 2016

A CEPLAC É ÚNICA UMA CONTRIBUIÇÃO À REVITALIZAÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO, ONTEM MODELO E, HOJE, AMEAÇADA DE EXTINÇÃO.

A CEPLAC É ÚNICA
UMA CONTRIBUIÇÃO À REVITALIZAÇÃO
DE UMA INSTITUIÇÃO, ONTEM MODELO E, HOJE, AMEAÇADA DE EXTINÇÃO.

Luiz Ferreira da Silva, 79
Pesquisador aposentado da CEPLAC
Ex-Diretor do CEPEC (1979-81), ex-Chefe da CEPLAC/Amazônia (1982-85) e ex-Coordenador-Adjunto (1986).
Cel. 99313-1030

De vez em quando, ouço falar que a CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) não tem mais sentido, por confluir suas atividades às da EMBRAPA (Empresa Brasileira Agropecuária de Pesquisas) ou mesmo com a UESC (Universidade Santa Cruz). No primeiro caso, pela sobreposição de atividades e, no segundo, por colidir no mesmo espaço geográfico.
O modelo da CEPLAC transcende a qualquer instituição rural, quando sob uma mesma cabeça, 4 membros se articulam de modo sistêmico: Pesquisa, Extensão, Ensino e Apoio ao desenvolvimento.
Os resultados comprovam tal assertiva, incluindo a formação de uma mão-de-obra de excelência nos 3 pilares dos recursos humanos: técnico, operacional e administrativo.
Esta concepção de interação de atividades voltadas ao homem do campo mereceu reconhecimento no pais (EMBRAPA) e internacionalmente (IICA/OEA), ficando gravada nas palavras do Presidente Geisel quando assim se expressou: - Feliz do Brasil se tivesse várias CEPLACs.
Esta é a Instituição que me formou e, que hoje, vem se deteriorando a olhos vistos, sendo até ameaçada de extinção, haja vista a insensatez dos governos pós-revolução.
O primeiro mau sinal foi o encaixe no MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), à martelo, como um corpo estranho e sem importância. Uma figura díspar numa estrutura mais voltada a funções normativas e de fiscalização.
Ao invés desta irrelevância, o MAPA poderia preencher uma lacuna – a presença pública no meio rural atendendo sobretudo aos pequenos e médios agricultores, criando um Instituto, a exemplo de tantos outros existentes em outros Ministérios – INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais); INPA (Instituto de Pesquisas da Amazônia) – poderia preencher uma lacuna existente no MAPA, ao tempo em que fecharia o círculo de abrangência de suas ações agropecuárias.
Refiro-me sucintamente a um Órgão com os mesmos segmentos existentes na CEPLAC, acrescido de uma Unidade de Cooperativismo ou Associativismo Rural, pela necessidade de se poder inserir a pequena produção na economia de mercado, tornando-a competitiva. O seu “core” seria os cultivos tropicais perenes das regiões vocacionadas para o cultivo do cacau (Sul da Bahia, Rondônia e Transamazônica), com ênfase em sistemas de agricultura conservacionista e manejo do solo e da água; levantamento e monitoramento dos recursos naturais; ecologia florestal, sobretudo da Mata Atlântica; e recuperação de áreas degradadas.
Haverão de perguntar: E a EMBRAPA? Não haveria nenhuma superposição de atividades com a EMBRAPA, que é uma empresa vinculada ao MAPA, com a função de desenvolver pesquisas agropecuárias, não se constituindo em um Órgão público, como seria o Instituto referido. Pelo contrário, poderia haver trabalhos em parcerias, sem qualquer competição.
A diferença fundamental dessa nova CEPLAC é a sua institucionalização como Órgão voltado ao agricultor, independentemente da sua condição social e econômica, até com mais enfoque à média e pequena produção, através de um sistema integrado de ação (pesquisa, extensão, ensino e organização do produtor e da produção), diferentemente da EMBRAPA, que é uma empresa, além de se constituir num valioso subsídio do governo ao meio rural, através de seus resultados. O braço público, pois, no meio rural, e mais ainda pela interação, subsidiando às outras ações do MARE, sejam as normativas, sejam as de coordenação.
Com a consecução desse órgão (Instituto, Centro, Fundação), o MAPA também estaria em condições de apoiar atividades de outros Ministérios, como o da Reforma Agrária e o do Meio Ambiente.
É de bom alvitre reforçar ainda mais a diferença entre as duas Instituições para melhor elucidação. A EMBRAPA possui diversos Centros de produtos, tais como soja, fruticultura e mandioca, arroz e feijão, dentre outros. E adicionalmente, Centros de Recursos como o dos Cerrados, do Semiárido. Diferentemente, o CEPEC (Centro de Pesquisas do Cacau), implantado pela CEPLAC em 1962, abrange tanto produtos como recursos, haja vista as pesquisas e levantamentos tanto nas disciplinas agronômicas (genética, solos, fitopatologia, fisiologia vegetal, entomologia, engenharia da produção, tecnologia de alimentos) quanto referentes aos recursos naturais (Pedologia, Botânica, Climatologia, Fitogeografia).
Dessa forma, o CEPEC, além das tecnologias de produtos, executa detalhados trabalhos fitogeográficos, pedológicos e climáticos, além dos acervos importantes como o herbário, arboretos; de ações ecológicas na Estação Pau Brasil, em Porto Seguro, bem como a instalação de um fundamental campo de germoplasma, em Belém.
Tudo isso numa mesma unidade de pesquisa, possibilitando uma melhor aplicação das tecnologias geradas, bem como facilitando análise e interpretações com vistas a novas ações de desenvolvimento rural integrado.
Nesse aspecto, para aclarar ainda mais a concepção integrativa da pesquisa no CEPEC, é preciso se ter esta consciência que o CEPEC é muito mais que qualquer centro de produto, tentarei explicar na seguinte hipótese, a seguir:
Suponhamos, como exercício, que um rico Chinês, assessorado por técnicos, deseja plantar uma determinada espécie (chamemos de Shiguiling) no Sudeste da Bahia. Reúne-se com os técnicos do CEPEC, que nunca viram falar da tal planta, mas conhecem a área. O Pedólogo, conhecedor dos solos, com mapas e dados nas mãos, pergunta como são os terrenos de lá e, à medida que o Chinês vai descrevendo, o pesquisador vai identificando as características e diz os locais apropriados para o empreendimento. Em seguida, o Climatologista solicita informações concernentes e então também aloca as áreas propícias. O Edafólogo com as informações das exigências nutricionais, também desenha uma fórmula aproximada. O Fitopatologista e o Entomologista captam as informações e definem as estratégias de ação para as doenças e pragas informadas, pois sabem da interação com as nuanças biológicas dos nichos ecológicos. Mesma coisa o Economista e o Sociólogo, com relação à mão-de-obra, mercado, transporte. E, assim por diante, Fisiologistas, Engenheiros da produção, Tecnólogos de alimentos, Fitotecnistas, Extensionistas, Educadores vão colhendo dados pertinentes.
Em síntese, o grupo pode formatar um pacote tecnológico para começar, com base na “Opinião Correta” (O que Sócrates discutira com Meno, desenvolvendo a ideia da opinião certa, valorizando-a em relação ao conhecimento), com alta capacidade de acerto. Um Centro só de produto (Mandioca, de Soja ou de Caju) não teria essa capacitação de conjuminar recursos com produtos com tal possibilidade de êxito.
Em síntese, nenhum Centro da EMBRAPA possui a magnitude do CEPEC, com sua complexidade multidisciplinar e uma rede diversificada de estações experimentais. Talvez, por esta razão ela nunca se interessou em absorvê-lo, como muitos apregoavam. Mesma coisa aconteceu com relação ao café -  excelência científica no IAC -  cujo produto não consta em nenhum centro específico assemelhado aos de produtos.
Por outro lado, em razão da penúria em que se encontra a CEPLAC, há quem advogue uma fusão com a UESC, criando-se uma grande Universidade que se incumbiria do desenvolvimento regional, além de suas funções de ensino. A princípio, parece uma boa ideia, mas a história não tem mostrado isso, além das funções ceplaqueanas ultrapassarem os limites da Bahia. O meu colega e saudoso amigo, Dr. Jorge Vieira, que amava as duas Instituições e se preocupava com o futuro delas, sempre discutia comigo essa saída que, na sua concepção, seria exequível.
Há, no entanto, uma série de óbices que parecem inviabilizar essa ideia; senão vejamos:
* Lembro-me do Dr. Paulo Alvim, há mais de 50 anos, que criticara Viçosa, sua Escola, pela miséria que continuava a existir nos arredores da Universidade, sem que ela tenha modificado nada, tempos depois que ele retornou à ESAV. Mesma coisa, acontece na baixada fluminense, com a desvinculação da Universidade Rural do Brasil, onde me formei. Outros exemplos dessa inocuidade: Cruz das Almas, BA; Areias, PB; Dois Irmãos, PE.
* Quando a EMBRAPA foi criada, lembro-me da preocupação existente, pois participei como assessor, de se implantar um modelo, no qual as Universidades forneceriam as pesquisas básicas acopladas às aplicadas, que seriam da responsabilidade dos Centros de Produtos. Não deu certo e os Centros da EMBRAPA passaram a ser como o CEPEC, um misto de ciência e tecnologia e, inclusive tiveram que ser criados os de Recursos, pela impossibilidade de contar com as Universidades, na magnitude pretendida.
* Uma vez, o CEPEC (eu era o seu Diretor) tentou junto às Universidades do Sul estabelecer acordos de pesquisas, incumbindo-as de ciência pura em projetos biológicos ligados à phythoptora, utilizando os estudantes de pós-graduação, na busca de informações que se acoplassem às tecnologias, melhorando-as. Simplesmente, analisando a complexidade - estudo de polifenóis (por exemplo) - disseram que os projetos da estudantada tinham tempo definido de obtenção de resultados e já formatados em temas que dariam certo, pois havia o compromisso de formá-los, não podendo haver uma incerteza com pesquisas que poderiam demandar muito tempo para se obter informações de apoio às tecnologias (pesquisas aplicadas).
* Sem o compromisso com a tecnologia vinculada ao agricultor, as Universidades têm priorizado os estudos sem quaisquer relacionamentos com a sua aplicação direta, mas voltados à pesquisa básica, porém sem o casamento com a pesquisa aplicada. E, ademais, no atual momento, elas têm um compromisso com a pós-graduação, uma espécie de fábrica de mestres e doutores. Dentro desse raciocínio, as duas - CEPLAC e UESC - poderiam até se complementar, mas não como está acontecendo: duplicidade de laboratórios e uma concorrência despropositada, como me foi passado, pois estou 23 anos afastado da região.
* Diferentemente das Universidades, uma organização como a CEPLAC opera assemelhada às denominadas de P&D. Alguns exemplos reforçam esse raciocínio. O Estado de São Paulo possui excelentes Universidades (USP, Campinas, UNESP), entretanto é o velho (125 anos) IAC-Campinas quem dá suporte ao agricultor; no Paraná, o IAPAR; em Pernambuco, o IPA; em Minas Gerais, a EPAMIG; no Rio de Janeiro, a FIOCRUZ.
Assim colocada a ideia de uma nova CEPLAC ou o seu retorno aos idos da década de 90, creio ser importante discutir por que a região sul baiana ficou omissa ao desmantelamento de tal patrimônio, construído por sua própria sociedade?
Não se pode deixar de analisar o que chamo de “síndrome destrutiva sul-baiana”. A sociedade sulbaiana se omitiu ou permitiu destruir Organizações como o ICB, a SULBA, o CNPC, o Sistema Cooperativo, a Itaísa. Agora, para muitos, a CEPLAC já era e a UESC é o novo xodó, que deverá ser a bola da vez, daqui uns anos mais, a se confirmar esse aparente determinismo.
Eu chego a pensar que se a CEPLAC, ao invés do eixo Itabuna-Ilhéus, fosse implantada em Londrina (PR), em Campinas (SP), em Santa Maria (RS) ou mesmo em Campina Grande (PB), ela não teria chegado a esse estado caótico, pois a sociedade não deixaria. Anos atrás, o IAC quase foi ao fundo do poço no Governo Maluf, mas se recuperou e continua sendo o orgulho dos Campineiros, pois a sociedade rural paulista não permitiu tal insanidade.
Assim, com base nessas considerações, não parece difícil revitalizar a CEPLAC, sem muita preocupação, num dado momento, de mexer em quadrinhos e bolar esquemas, modelos e estratégias gerenciais. Alguns ajustes podem ser feitos, mas o “cerne continua de lei”.
- É só se ater no que a Organização realizou em seus primeiros 35 anos de vida:
·                 Elevação da produção de cacau em 310%, passando de 123 mil toneladas, nos anos 60/65 para 380 mil toneladas, em média, no quinquênio 80/85; assinalando um recorde de 457 mil toneladas no Ano Agrícola Internacional 1984/85 (Outubro/ Setembro).
·                 Aumento da produtividade média das lavouras, de 220 kg por hectare para 740 kg por hectare;
·                 Elevação das receitas cambiais de US$ 50 milhões por ano, no quinquênio 60/65, para US$ 620 milhões, em média, no período 80/85;
·                 O PROCACAU (Diretrizes para expansão da cacauicultura nacional, 1976-1985) possibilitou, nas regiões cacaueiras do país, a geração de 80 mil empregos diretos.
·                 Na Amazônia, 11 mil homens sem-terra, migrantes de todos os rincões, transformaram-se, graças à força do cacau, em prósperos agricultores, cuja produção de 36 mil toneladas, em 1985, representou o crescimento de 1.800% em relação ao passado, pois antes da CEPLAC chegar à região, a produção era semi-extrativa e não passava de 2 mil toneladas anuais;
·                 Há também, relevantes resultados no campo da infraestrutura, com destaque para estradas, pontes, eletrificação rural, escolas rurais, poços artesianos, indústrias de calcários, etc.;
·                 E, mais importante, os investimentos feitos na área de Recursos Humanos, tais como: formação de mão-de-obra técnica (Técnicos e Práticos Agrícolas) e em nível de trabalhador rural; e, com destaque na especialização de seu corpo profissional (Geneticistas, Pedólogos, Fisiologistas, Economistas, Fitopatologistas, Entomologistas, Educadores Rurais, Extensionistas.), seu mais importante patrimônio.
·                 O resultado alcançado de maior expressão para a cacauicultura mundial e nacional, foi a formação de um banco de germoplasma na Amazônia na Estação de Recursos Genéticos "José Haroldo", no município de Marituba, com 1800 acessos, compreendendo 940 de origem clonal e 877 seminal.  Esse patrimônio genético está representado por 21.475 genótipos procedentes de 36 diferentes bacias hidrográficas, fonte indispensável de consulta entre todos os pesquisadores e tomadores de decisão incumbidos de subsidiarem o futuro da cacauicultura mundial.
- Não se pode querer que a Organização seja operante no estado atual, cujo debacle começou depois da extinção da taxa de exportação, quando ela foi absorvida pelo MAPA, sem que a sociedade cacaueira, que a custeou, exigisse de direito o mesmo padrão de qualidade. Não, omissão total e continuou assim, passando a atacar e denegrir a Instituição, chutando-a como um cachorro morto.
- A continuar como está, só para manter as aparências, não é legal e honesto, até em respeito aos seus servidores que a construíram com abnegação, suor e compromisso com o meio rural.
- De outra forma, havendo decisão política, cabe ao MAPA criar um Grupo de poucas pessoas, que tenham conhecimento técnico, vivência institucional e “visgo” do produto, para em uma “sentada” e com cinco páginas bater o martelo sobre o futuro da CEPLAC. O mote é azeitar as peças para o retorno da “Fábrica-CEPLAC”. Depois, é depois, e se vai arrochando os parafusos.
Para tal, é tarefa para a juventude das regiões cacaueiras da Amazônia (Rondônia e Pará), sobretudo da Bahia, como os novos produtores emergentes pós vassoura-de-bruxa, que têm demonstrado uma nova consciência de empreendedores, aos quais reforço a minha convicção de que vale a pena lutar, junto ao MAPA, pela revitalização desse patrimônio institucional tão duramente conquistado pelo cacau.

E, finalizando, acredito que hão de perguntar – “o que esse velho (79 anos), que mora em Maceió, há mais de 20 anos fora da região, tem a ver com isso? Respondo-lhes sem pestanejar: - “A CEPLAC foi meu primeiro e único emprego; a minha Escola de aprendizagem técnica; e o meu vade-mécum de ética profissional”. (Maceió, 20 de fevereiro de 2016)

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