Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Sentido do CARNAVAL


 “Não me leve a mal, hoje é Carnaval”
(canção carnavalesca)
            Do italiano “carnevale”, termo formado a partir do latim medieval carnem vale, que significa “adeus à carne”, o carnaval é uma festa popular bem antiga, cuja origem pode ser encontrada nas festividades para comemorar a colheita da uva, a vindima, em honra do deus grego Dionísio, a mesma divindade sendo cultuada em Roma com o nome de Baco, deus do vinho.  As “bacantes” eram as mulheres que participavam dos ritos orgiásticos, chamados “bacanais”.  Na Idade Média, com o nome de carnaval e anualmente, os cristãos passaram a festejar a véspera da quarta-feira de cinzas, quando começava  a Quaresma, os 40 dias de penitência antes da Páscoa, durante os quais era proibido comer carne.  Na Terça Feira Gorda e no fim de semana que a precedia, os devotos de Cristo se esbaldavam em comer “polpette” (almôndegas), tomar vinho, dançar desenfreadamente, usando máscaras, para que as pessoas não fossem identificadas.
O carnaval reveste-se de características próprias, conforme o tempo e o lugar. Na Europa, o melhor carnaval é o de Veneza, famoso pelo desfile e baile das máscaras; no Brasil, sem dúvida, o Rio de Janeiro apresenta a melhor festa carnavalesca, apreciada no mundo inteiro, pelo desfile dos carros alegóricos em lugar fixo e apropriado, o sambódromo.
            O carnaval é uma forma de espetáculo sincrético, de caráter ritual, onde não há separação entre atores e espectadores, sendo vivido por todos.  Durante a época carnavalesca há uma suspensão das leis sociais, das interdições morais, das regras normais de vida.  Anula-se a diferença de classes e de sexos, a hierarquia, a etiqueta, e se estabelece uma nova forma de relações inter-humanas, fundada no contato livre e familiar entre todos, sem medo de sanções. A língua italiana tem uma expressão que define bem essa liberdade: nel Carnevale, tutto vale (“no Carnaval, vale tudo”), cujo equivalente em português pode ser encontrado nos versos de uma marchinha carnavalesca: “Não me leve a mal, hoje é Carnaval”.
Entre os atos carnavalescos, que legitimam o mundo às avessas, o mais importante é o rito da “entronação” bufonesca do Rei do carnaval. Nas Saturnálias romanas elevava-se ao trono um escravo, que era servido e venerado por seus patrões. O ato ambivalente significava a relatividade de toda estrutura social, a elevação e a queda do ídolo, a profanação do sagrado, a paródia dos valores sociais.  Na percepção carnavalesca do mundo são exaltadas contradições e misturas: a conjunção do masculino e do feminino, do sagrado e do profano, do alto e do baixo, do belo e do feio, do sublime e do vulgar.
A identidade dos contrários e a não-identificação da pessoa são facilitadas pelo uso da máscara ou da pintura do corpo com cores berrantes.  Predomina o vermelho, a mesma cor do fogo e do sangue, símbolo universal do princípio da vida e da força. Junto com a cor vermelha, nos folguedos do carnaval é prestigiada a gordura, símbolo da riqueza e da abundância.  O Rei Momo é geralmente configurado como uma pessoa gorda, de faces rosadas, com um largo sorriso de prazer satisfeito.  Enfim, é o id freudiano que, nos dias de carnaval, acaba se sobrepondo ao superego que controla a vida cotidiana, liberando o uso do álcool e de roupas extravagantes, a nudez e a libido.
            Este espírito carnavalesco, que o filósofo alemão Nietzsche chama de “dionisíaco”, em oposição ao espírito “apolíneo”, de Apolo, o deus da luz e da ordem, está presente em quase todas as formas de arte, onde predomina a valorização da  liberdade individual, do instinto natural que nos faz buscar a felicidade, em contraste com as imposições sociais de cânones políticos, religiosos, jurídicos, éticos. Os maiores gênios da humanidade (Darwin, Shakespeare, Dostoievski, Picasso, entre tantos outros) foram todos revolucionários.

Salvatore D' Onofrio
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)

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