Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

AMOR DE POETA

AMOR DE POETA
 
Poetas cantam a vida e o amor em versos. Descrevem angústias e tristezas de tal forma que as fazem coisas belas. Inacreditável o que o poeta é capaz de fazer com as palavras! Um poeta sempre se torna fã de outro poeta e foi assim que tudo começou entre Roberto e Isaura. Encontraram-se em uma tépida noite de autógrafos no mês de novembro. Ele tinha chegado cedo, adquirido o livro e já estava indo embora, antes mesmo do evento iniciar, quando avistou Isaura adentrando no salão. Ela trajava um vestido preto sem detalhes, calçava sandálias de verniz e carregava uma pequena carteira na mão. Usava apenas uma fina gargantilha de pedras tão delicadas quanto a sua voz ao dizer-lhe: “Com licença”. Roberto extasiado com a imagem daquela bela mulher, demorou-se a afastar-se e a lhe dar a passagem que  pedira. Ela apenas sorriu com a evidente perturbação de Roberto. Dirigiu-se à mesa que dispunha os livros à venda e comprou um exemplar. Roberto quis demorar-se mais, afinal ainda teria o discurso do autor e acabara de decidir que não poderia perder. Entrou na sala angustiado procurando por ela até que a viu sentada na segunda fila. Havia uma cadeira vaga ao seu lado. Estaria aguardando alguém? Resolveu não arriscar. Ficou em pé, encostado em uma coluna de onde poderia vê-la. Não escutou uma única palavra e, quando se deu conta, já era hora dos aplausos. Todos levantaram de seus assentos e formaram uma fila para obter o autógrafo do autor. Ela permaneceu sentada no mesmo lugar folheando o livro e uma senhora aproximou-se dela. Ele reconheceu a senhora como uma velha amiga. Seria a hora perfeita para aproximar-se, pensou. E assim fez. A senhora o cumprimentou efusivamente e em seguida o apresentou à Isaura. Disse que ela também era poeta e escrevia coisas lindas. Ele, naquele momento, acabava-se de se apaixonar. Quando a senhora se afastou, eles continuaram a conversar. Com o passar do tempo, tornaram-se bons amigos. De fato, a amizade desenvolvida por ambos era apenas a ponta do iceberg. Debaixo das águas de cada uma daquelas almas estava crescendo um grande amor. No início, foi fácil disfarçar, mas conforme a aproximação se intensificava, o desejo entre ambos se tornava mais forte e mais evidente. Chegou um tempo em que não conseguiram mais se conter, apesar dos olhares vigilantes dos cônjuges de cada um, não puderam segurar o desejo de ficarem juntos. Depois de uma noite de intenso e infinito amor, Roberto estava decidido a deixar Ofélia e a assumir o amor por Isaura. Ficara louco, perdera a noção do perigo ao escrever-lhe poemas. Um dia, sua ousadia ultrapassou todos os limites fazendo-o ir até a casa da amada e entregar-lhe um maço de rosas vermelhas com uma inscrição comprometedora no cartão: Se você não existisse, eu lhe inventaria. Mandou o chofer fazer a entrega e ficou no automóvel, de longe, observando. Quem recebeu a encomenda foi a empregada e exatamente nessa hora, Roberto se deu conta da besteira que fez. E se ela não estiver em casa? E se o marido vir o cartão? Já era tarde demais. O chofer voltou ao carro e disse: “A empregada falou que Dona Isaura está fora da cidade e só retorna em três dias”. Aquela informação lhe caíra como uma tempestade inesperada. O que faria? Nada. A flecha tinha sido desferida e não havia como voltar atrás. Sua perturbação foi inevitável naqueles três dias. Na casa de Isaura, o tempo fechou. O marido ordenou que a empregada deixasse as rosas no console da sala. Apesar de ela insistir em colocá-las num vaso, ele não permitiu. Quando Isolda chegou houve um exaustivo interrogatório e ela jurou não saber do que se tratava tampouco de quem enviara aquelas rosas. Ela mesma fez questão de jogá-las na lata do lixo demonstrando total desprezo pelo ocorrido. Naquela noite, Isaura tomou uma decisão: nunca mais procuraria Roberto, nunca mais falaria com ele, mesmo que não fosse isso o que seu coração verdadeiramente quisesse. Não podia arriscar seu casamento, não podia perder o marido fiel e dedicado. Era uma aposta muito alta e decididamente não teria condições de encará-la. Desde então, os poemas de Roberto e Isaura choram a desilusão vivida e falam da saudade que ficou dos raros momentos em que tiveram um ao outro. Hoje, o livro preferido de Isaura é um livro comprado em uma noite tépida de novembro que jaz em sua cabeceira e guarda inusitado marcador de páginas: uma pétala desidratada de uma rosa vermelha.          


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Ana Paula de Medeiros Ribeiro
Universidade Federal do Ceará
 
A coisa mais divina que há no mundo é viver cada segundo como nunca mais.
(Vinícius de Moraes)

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