Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

domingo, 13 de janeiro de 2013

CRÔNICAS DE REGINA BARROS LEAL (Da Academia Cearense da Língua Portuguesa)


A FESTA DE CASAMENTO

Regina Barros Leal

Uma tarde de domingo. A meninada corria na praça ao lado. A vila estava em festa. Era o dia do casamento de Lucinha, a garota mais bonita de Suruaru. Bem-nascida, filha do Coronel Sinhô, ela espargia cheiro de rosa por onde passava. Todos os rapazes sonhavam casar com ela. Só sonhos. Lucinha iria esposar o bacharel em direito, Dr. Eduardo, moço bonito das bandas da capital. Rapaz engomado, com ar de opulência escancarada. O pessoal de Suruaru não simpatizava muito com o seu jeitão de menino mimado. Mas, o que fazer? Iria assistir à chegada dos noivos, do lado de fora da igreja, pois que só entrariam os convidados do Coronel: a gente importante da cidade. Um magote de gente fina, embestados, assim dizia Zé Mãozinha, apelidado por conta de um defeito de nascença. Sua mão esquerda era  pequena e com os dedos encolhidos em concha.
            A vila toda estava do lado de fora da igreja, com exceção do padre, do juiz, com sua mulher e filhos, do promotor, dos deputados, do Dr. Soluço, médico da cidade que herdara o apelido pelas frequentes noites de boêmia. Além deles, os ricos da cidade. Foram esses os convidados. Aos outros, fora-lhes dado o direito de assistirem à entrada e à saída dos noivos e convidados. 

18 horas. Os sinos tocaram anunciando um tempo de festa.  Aperreados, o padre e o sacristão apareceram na frente da igreja. Faltara a Amelinha, a moça que parecia um rouxinol ao cantar. Maria, sua amiga de infância, acalmando os ânimos, afirmava para não se preocuprarem. Amelinha era assim mesmo, agradava- lhe chamar a atenção.  Pouco tempo depois, dissipando as dúvidas, ela descia do Jipe, acompanhada de sua mãe, Dona Emengarda, costureira famosa da região. 

19 horas. Os convidados, mulheres, homens e crianças, arrumados de tal maneira que mais pareciam manequins de lojas chiques, desdenhavam as mulheres fofoqueiras de Suruaru.

Os carros encostavam e, de dentro deles, desciam senhoras cheias de paetês e plumas, magras, opulentas, caminhando com pouca desenvoltura sobre sapato de salto alto e de bico fino; homens de ternos escuros, crianças e jovens coloridos e sorridentes. Não havia indícios de escassez, muito pelo contrário, era uma festança, assinalando uma riqueza atordoante. 

 O casamento era de arrebentar! Afinal, ela era a filha do coronel Sinhô, o homem mais poderoso daquelas bandas.

20 horas. O noivo aparece de fraque branco e cabelos brilhantes. Irradiava alegria e certo toque de esnobismo.



 21 horas. E a noiva não aparecia. O burburinho da igreja já ecoava. Os convidados, desassossegados, mexiam-se nas cadeiras. Alguns haviam chegado às 18h30min. Que desperdício de tempo! Resmungavam. O calor desmanchava os penteados de algumas convidadas que exageraram no laquê. O noivo, a essa altura, enxugava a testa molhada de suor, já brilhando ao efeito da luz da capela, que, por sinal, estava enfeitada com flores do campo e rosas vermelhas.

O tempo passava inexorável, e nada da noiva! Nisso, chegou correndo um menino da fazenda. Era o Tonho. Procurava o Coronel. Foram para a sacristia. O noivo, já pálido, pedia um copo com água. A mãe, quase desfalecendo de ansiedade, embaraçada pelo vexame, não sabia onde colocar as mãos trêmulas pela aflição da espera. 

O Coronel chamou o noivo, e conversaram baixinho. Zombeteiros, os convidados já cochichavam maliciosamente, afirmando que a noiva não viria, desistira de casar. 

 Passaram cinco intermináveis minutos. Logo depois, voltando da sacristia, o noivo demonstrava alívio. Parecia estar mais calmo. Seu rosto expressava um sorriso amarelo. Algo estranho teria acontecido, mas o problema já fora solucionado. Dessa forma, retorna ao seu lugar, muito embora abatido.

 O coronel, ressabiado, dirigindo-se aos convidados com um gesto de mão, comunicava que a noiva estaria vindo.

Poucos minutos depois, eis que ela chega. Desce do carro. Os cabelos soltos, adornados por uma linda tiara, desciam sobre os ombros. O vestido era branco, de renda francesa, bordado de pérolas e pedras. Circulava o boato de que o coronel o encomendara de Paris. Lucinha, a noiva, descorada, um pouco atordoada, revelava um rosto contorcido por algum desconforto. Adentrou a Igreja, ao som da marcha nupcial, devagarzinho, segurando o braço do coronel.  Seu andar vacilante, desengonçado, denotava insegurança. Conseguiu, a muito custo, chegar ao altar, revelando esgotamento pelo visível esforço.

           O padre iniciou a celebração. Todos acompanharam a missa. Lá para as tantas, o coronel deu a entender ao celebrante que fosse mais rápido. Pronto atendimento. Terminou a cerimônia. Nem a cantoria aconteceu. Os noivos se beijaram e, desajeitados pela pressa, quase escorregaram ao sair da igreja. Pareciam consternados. Nem as flores jogadas fizeram brilhar os seus rostos aflitos. Tampouco compareceram à recepção.

Comentaram que Lucinha tinha sido acometida de uma forte diarréia. Comera um queijo arruinado. Era tamanha a dor de barriga que quase não conseguira ficar em pé. Foi necessário usar uma fralda da avó que sofria de incontinência. Falaram até que o vestido de noiva ficou uma desgraceira.

Pior! Dizem as más línguas que, naquela noite..., o noivo passara o tempo abanando o vento. 

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