Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

HABEAS PINHO


HABEAS PINHO
Exmo. Sr.
Dr. Artur Moura,
Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!

Um violão, Doutor, que, na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando, assim, suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém, seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua,
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo, pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza, já, do seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes temos, vem pedir deferimento!

Assinado:
Ronaldo Cunha Lima, advogado.


O juiz  por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular.


Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.

Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.

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