UNIVERSIDADE ENGAJADA
“Eu tenho lado” é dito com orgulho. Seria
tibieza ou conivência não ter um lado. A neutralidade seria impossível. O raciocínio
aludido é válido para juízo de valor. Mas é erro ou desonestidade quando se
trate de juízo de fato. Peritos, sem ter lado, devem descrever as feridas encontradas
no cadáver, classificando-as e indicando órgãos atingidos. Perito cujo laudo
afirme que a vítima foi covardemente apunhalada tem lado e isso o desqualifica.
Universidades foram criadas na Idade
Média para defender a Escolástica e o Poder da Igreja quando ambos claudicavam.
Nasceu engajada. Reprimiu inovações científicas. Depois mudou. A concepção
britânica, inspirada em John Henry Newman, (1801 – 1890), concebeu a
universidade do espírito, voltada para o saber universal cujo escopo é o
desenvolvimento intelectual. A dimensão filosófica contempla a formação moral.
Afastava-se da universidade mediaval dos saberes estabelecidos.
A concepção alemã, influenciada por Friedrich
Wilhelm Heinrich von Humboldt (1769 – 1859) adotou a livre busca da verdade. As
feridas da experiência nazista tornariam mais forte esta concepção. Daí a
prioridade para a pesquisa, ao invés do ensino, como queria o cardeal Newman.
Verdade objetiva refere-se a juízos de fato. Neste campo ter lado é erro ou
desonestidade. A ciência busca a compreensão da realidade fática, sem
estabelecer normatividade. Ciência normativa, como o Direito, não resulta de
trabalho científico, tem base valorativa.
Direito, do ponto de vista da zetética,
é fato, valor e norma, nos termos de Miguel Reale (1910 – 2006). Direito e
ética são ciências do dever ser. Estas não são ciência em sentido estrito, como
descritas por Galileu Galilei (1564 – 1642), que perdem validade quando seus
enunciados não correspondem aos fatos. As proposições das ciências do dever ser
não se abalam quando os fatos divergem delas.
A busca da verdade objetiva exclui o
argumento de autoridade. Sua validação está na falseabilidade e no concurso de
ideia avaliado pela comunidade científica, conforme Karl Raymond Popper (1902 –
1994). A concepção americana de universidade, influenciada por Alfred North Whitehead
(1861 – 1947), também é a da universidade do espírito, como a alemã e a
britânica, até anos recentes. Mas teria a preocupação de atender a aspiração da
sociedade ao progresso.
Quais sejam tais aspirações diz respeito
a escolhas valorativas. Pesquisadores sem representatividade falam em nome da
sociedade? A valoração dos fatos sociais leva ao juízo de valor. Maximilian
Karl Emil Weber (1864 – 1920) procurou advertir: a neutralidade axiológica é
necessária quando se trate de juízo de existência.
Macunaíma rasgou a distinção entre juízo
de fato e de valor e jactou-se de ter lado. Indiferenciou ciência do ser e do
dever ser. Não aceita que a gramática seja normativa, mas não tem pejo de fazer
Sociologia, História e Economia normativas propondo uma engenharia social, sem
nenhum rubor na face. Desqualifica a noção de verdade, exceto os seus próprios
juízos. A semelhança dos equívocos do ativismo judicial, o ativismo universitário
é um descaminho. Edmundo Campos Coêlho, na obra “A Sinecura acadêmica: a ética
universitária em questão” (Revista dos Tribunais, 1988); e Pedro Demo, no livro
“Intelectuais e vivaldinos” (Almed, 1982), expõem as mazelas da contaminação
ideológica dos campi. Muitos são os vícios que se ocultam sob o manto
das lutas políticas.
A escolha de reitores,
segundo a lei, deve recair sobre um dos integrantes de uma lista tríplice
baseada em consulta à comunidade acadêmica. Grupos que não aceitam a
alternância do poder e querem preservar posições criaram a inovadora lista
tríplice de um só. Mas a legitimidade originária é dada nas eleições gerais do
país aos governantes eleitos. A legitimidade dos administradores de órgãos
públicos é designada como derivada, já que dada por quem foi eleito nas
eleições gerais. As eleições corporativas, sujeitas a pressões e à cooptação,
não têm legitimidade. E a invasão de bens públicos de uso especial, atualmente
praticada, é ilegal. O clima de intimidação não pode prevalecer no Estado
democrático. Não se deve tolerar a intolerância Quem tem conduta fascista
atribui aos outros tal qualidade. Quem disso usa, disso cuida.
Fortaleza, 5/9/19.
Rui.
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