Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O COMÉRCIO DE FACULDADES DE MEDICINA E O GALO - João Amílcar Salgado


O COMÉRCIO DE FACULDADES DE MEDICINA E O GALO
João Amílcar Salgado

Em várias de minhas participações em reuniões da OPAS/OMS sobre o ensino da medicina, repeti uma solicitação que era visivelmente incômoda para os técnicos internacionais. Pedi reiteradamente que fosse feita uma avaliação de cada faculdade, em todos os aspectos, principalmente o econômico. Era então evidente o cuidado em não ofender interesses da ditadura vigente. Afinal saiu a oficialização desse estudo e é claro que fui designado para a equipe do levantamento. Recebi por correspondência o questionário do qual foi retirada a parte referente ao custo do ensino. Na primeira reunião seguinte, José Paranaguá Santana alegou vagas razões técnicas para essa retirada e foi contraditório em tentar apresentá-las.  Isso significava que havia gente graúda envolvida, parece que junto ao próprio ministro da educação. Por outro lado, na comissão ministerial eu era companheiro do Nunes Nassif, então presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), e ele me convidou para seu assessor. Eu disse que aceitaria se a AMB me permitisse abrir a caixa preta do ensino médico, já que nem a OPAS quis abrir.  Ele ficou entusiasmado, mas me telefonou depois, dizendo que não obteve “respaldo”. Quando o Conselho Regional de Medicina de São Paulo tentou implantar o exame de ordem na medicina, fui designado para falar contra, em nome do Conselho Federal, no Senado, e propus que qualquer medida referente ao ensino da medicina passava pela abertura da tal caixa preta.  O órgão Federal levou umas duas ou três reuniões informais, tentando aprovar algo nessa direção, e desistiu. Adibe Jatene deu a triste notícia à comissão ministerial de que os donos de “faculdades”, temerosos de que agíssemos contra suas movimentações econômicas, descobriram uma solução inteligente: transformariam cada faculdade picareta em universidade picareta e, como se sabe, sendo universidade, é autônoma. O criativo autor da ideia teria sido o Di Genio. Jatene então sugeriu que as faculdades localizadas em Vassouras, Alfenas, Marília, Presidente Prudente, Bragança Paulista, Joinville e em algumas capitais fossem visitadas pela comissão ministerial. Ele sugeriu que eu viajasse para Presidente Prudente ou Marília, mas me alertaram que a coisa ali era pesada e passei a missão a ele. Ele foi também alertado – e daí que não ocorreu visita nenhuma. Outra estratégia criminosa era pagar propina a membros do Conselho Federal de Educação (CFE). Dei uma entrevista ao Estadão sobre isso e o presidente do CFE disse que me processaria, mas os ofertantes das propinas pediram-lhe que deixasse isso pra lá. O Itamar Franco leu a entrevista, telefonou para o Jatene e fechou o CFE, mas não fechou as faculdades picaretas. Na constituinte transformamos o CFE em CNE e, em pouquíssimo tempo, o CNE já era igualzinho ao CFE.
Recentemente a imprensa noticiou que um grupo de investimentos em educação, ligado ao ministro Paulo Guedes e à Bozano, comprou a faculdade mineira Ipemed de Ciências Médicas, valor estimado em R$ 380 milhões. Trata-se de parceria entre o fundo Crescera e a Afya Educacional – esta, por sua vez, fruto da fusão entre a NRE Educacional e a Medcel, especializada em cursos preparatórios para residência médica.
Acabo de ler a notícia de que o “reitor” José Fernando Pinto da Costa, da Universidade Brasil (!), de Fernandópolis, SP, e mais 20 comparsas foram presos por picaretagens no ensino da medicina. Em 1985 Sarney adotou medidas criminosas, em favor da educação como comércio, opostas às propostas de Tancredo pela educação pública, estas retomadas, mas recheadas de equívocos, por Lula. Em 2018, Michel Temer e Henrique Sartori editaram a Portaria 374 que dava carta branca a dezenas de “cursos superiores”, um deles a Universidade Brasil – organização criminosa que passou a patrocinar até as maiores equipes do futebol brasileiro.
Acabei de dar uma camisa do Atlético de presente de aniversário a meu neto João.  Diante da notícia, chego correndo a seu guarda-roupa e na camisa do Galo está escrito Universidade Brasil.
Enquanto isso, o CFM, a AMB, o CNE, o CNS, os sindicatos médicos, as associações de especialistas e as academias de medicina estão febrilmente atarefados com congraçamentos, confraternizações e tertúlias.

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