O
COMÉRCIO DE FACULDADES DE MEDICINA E O GALO
João
Amílcar Salgado
Em várias de
minhas participações em reuniões da OPAS/OMS sobre o ensino da medicina, repeti
uma solicitação que era visivelmente incômoda para os técnicos internacionais.
Pedi reiteradamente que fosse feita uma avaliação de cada faculdade, em todos
os aspectos, principalmente o econômico. Era então evidente o cuidado em não
ofender interesses da ditadura vigente. Afinal saiu a oficialização desse
estudo e é claro que fui designado para a equipe do levantamento. Recebi por
correspondência o questionário do qual foi retirada a parte referente ao custo
do ensino. Na primeira reunião seguinte, José Paranaguá Santana alegou vagas
razões técnicas para essa retirada e foi contraditório em tentar apresentá-las. Isso significava que havia gente graúda
envolvida, parece que junto ao próprio ministro da educação. Por outro lado, na
comissão ministerial eu era companheiro do Nunes Nassif, então presidente da
Associação Médica Brasileira (AMB), e ele me convidou para seu assessor. Eu
disse que aceitaria se a AMB me permitisse abrir a caixa preta do ensino
médico, já que nem a OPAS quis abrir. Ele ficou entusiasmado, mas me telefonou
depois, dizendo que não obteve “respaldo”. Quando o Conselho Regional de
Medicina de São Paulo tentou implantar o exame de ordem na medicina, fui
designado para falar contra, em nome do Conselho Federal, no Senado, e propus
que qualquer medida referente ao ensino da medicina passava pela abertura da
tal caixa preta. O órgão Federal levou
umas duas ou três reuniões informais, tentando aprovar algo nessa
direção, e desistiu. Adibe Jatene deu a triste notícia à comissão ministerial
de que os donos de “faculdades”, temerosos de que agíssemos contra suas
movimentações econômicas, descobriram uma solução inteligente: transformariam
cada faculdade picareta em universidade picareta e, como se sabe, sendo
universidade, é autônoma. O criativo autor da ideia teria sido o Di Genio.
Jatene então sugeriu que as faculdades localizadas em Vassouras, Alfenas,
Marília, Presidente Prudente, Bragança Paulista, Joinville e em algumas
capitais fossem visitadas pela comissão ministerial. Ele sugeriu que eu viajasse
para Presidente Prudente ou Marília, mas me alertaram que a coisa ali era
pesada e passei a missão a ele. Ele foi também alertado – e daí que não ocorreu
visita nenhuma. Outra estratégia criminosa era pagar propina a membros do
Conselho Federal de Educação (CFE). Dei uma entrevista ao Estadão sobre isso e
o presidente do CFE disse que me processaria, mas os ofertantes das propinas
pediram-lhe que deixasse isso pra lá. O Itamar Franco leu a entrevista,
telefonou para o Jatene e fechou o CFE, mas não fechou as faculdades picaretas.
Na constituinte transformamos o CFE em CNE e, em pouquíssimo tempo, o CNE já
era igualzinho ao CFE.
Recentemente a
imprensa noticiou que um grupo de investimentos em educação, ligado ao ministro
Paulo Guedes e à Bozano, comprou a faculdade mineira Ipemed de Ciências Médicas,
valor estimado em R$ 380 milhões. Trata-se de parceria entre o fundo Crescera e
a Afya Educacional – esta, por sua vez, fruto da fusão entre a NRE Educacional e
a Medcel, especializada em cursos preparatórios para residência médica.
Acabo de ler a
notícia de que o “reitor” José Fernando Pinto da Costa, da Universidade Brasil
(!), de Fernandópolis, SP, e mais 20 comparsas foram presos por picaretagens no
ensino da medicina. Em 1985 Sarney adotou medidas criminosas, em favor da
educação como comércio, opostas às propostas de Tancredo pela educação pública,
estas retomadas, mas recheadas de equívocos, por Lula. Em 2018, Michel Temer e
Henrique Sartori editaram a Portaria 374 que dava carta branca a dezenas de
“cursos superiores”, um deles a Universidade Brasil – organização criminosa que
passou a patrocinar até as maiores equipes do futebol brasileiro.
Acabei de dar
uma camisa do Atlético de presente de aniversário a meu neto João. Diante da notícia, chego correndo a seu guarda-roupa
e na camisa do Galo está escrito Universidade Brasil.
Enquanto isso,
o CFM, a AMB, o CNE, o CNS, os sindicatos médicos, as associações de
especialistas e as academias de medicina estão febrilmente atarefados com
congraçamentos, confraternizações e tertúlias.
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