FASCINAÇÃO
A Revolução Francesa fascina. Igualdade,
liberdade e fraternidade são palavras sedutoras e enganosas. A fraternidade
revolucionária tropeçou na guilhotina. Centenas de milhares foram
“fraternalmente” decapitados. Jacobinos, defensores das três palavras fascinantes,
instauraram o reinado do terror. A igualdade republicana criou a monarquia
imperial bonapartista e distribuiu títulos de nobreza, a exemplo do marechal
Michel Ney (1769 – 1815), sucessivamente galardoado como duque e como príncipe.
A revolução de 1789 forçou uma mudança
cultural. Não tentou estabelecer um governo consentido pelo povo, procurou
mudar sua mentalidade. Teve o sentido de criar um Estado forte para corrigir os
resíduos do feudalismo através de uma mudança cultural forçada. Não queria ser
o governo do povo, mas um governo de herdeiros dos reis filósofos da República
de Platão (429/28 a.C.– 348/47 a.C.), exercido sobre o povo para corrigí-lo. Era
a presunção de sabedoria do cientificismo iluminista, ilusão de uma ciência normativa,
que diga como a sociedade deve ser, sem a validação empírica, porque justifica
os seus erros como desvio das lideranças, sabotagem do inimigo ou negando os
fracassos e apresentando falso sucesso, alegando que não aconteceu no lugar ou
na hora certa. O primeiro dos inimigos da sociedade aberta, segundo Karl
Raymond Popper (1802 – 1994) é Platão, com os reis filósofos.
A revolução de 1789 trocou a absolutismo
da monarquia deposta pelo totalitarismo jacobino. Autoritários querem impor
condutas. Totalitários querem impor uma consciência; fez, com eloquente
retórica, uma declaração de direitos semelhante à dos constituintes
norte-americanos de uma década antes, sem guilhotina, ou festival de sangue, sem
impor uma mudança cultural, sem o cientificismo iluminista.
A efusão de sangue fascina. Talvez pelo atavismo
dos ritos sacrificiais de humanos. A Revolução parece fascinar pelos erros e
pela crueldade que praticou. A narrativa histórica predominante classifica a
Revolução Francesa como liberal. Não. ela implantou governo forte para impor
uma consciência ao povo. José Guilherme Merquior (1941 – 1991) descreve a
descristianização da França, empreendida pela revolução para mudar mentalidades.
Liberal foi a Revolução Inglesa de 1689, feita contra o absolutismo, sem
guilhotina, implantando um governo consentido pelo povo, não uma mentalidade
ditada ao povo pelo governo. Foi esquecida pelos fascinados com a guilhotina
“fraterna” e a imposição de consciência.
Os jacobinos fascinam os intelectuais
candidatos ao posto de tutores da sociedade por eles considerada incapaz.
Herbert Marcuse (1898 – 1979), revolucionário, herdeiro do cientificismo iluminista,
no outono da vida escreveu “Eros e civilização”. Nesta obra admitiu
honestamente que todas as revoluções falharam, foram traídas. Cunhou o termo
“mais repressão”, análogo a “mais valia”, explicando que a repressão
tradicional introjetada não desaparece, somando-se à repressão introduzida pela
nova ordem revolucionária.f
Hoje os candidatos a
tutores da sociedade procuram forçar mudança cultural. A moral tradicional é
por eles demonizadacomo facista, obscurantista, machista para constranger e
impor uma nova consciência. Jacobinos de hoje acusam suas vítimas de
intoleância, agressividade e prática de censura, atribuindo ao outro as suas práticas.
Tal violência, porém, desperta resistência mundo afora. Conflito é pretensão
resistida. Pretender
impor uma nova consciência gera resistência e conflito.
Fortaleza, 16/9/19.
Rui Martinho Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário