Um Livro Rico de Experiências Pessoais
Antônio de Albuquerque Sousa Filho*
A descoberta de um bom livro pode muitas vezes, ocorrer por acaso. Foi o que aconteceu recentemente comigo, quando participava de uma comissão de identificação de entidades sociais que deverão receber doações de alimentos do programa Amigos em Ação, do qual faço parte ao lado de outros quarenta companheiros, como conselheiros do referido programa, idealizado pelo Grupo Imobiliário Alessandro Belchior.
A entidade visitada era o Lar São Francisco, criado por Dona Milena Prado Rocha, com forte apoio de seu marido o professor Mário Rocha, docente do Departamento de Economia Agrícola do Centro de Ciências Agrárias da UFC e que tem o objetivo de promover o desenvolvimento humano de idosos, por meio de ações educativas que estimulam a aprendizagem, a saúde e a cidadania. A assistência educativa também é complementada com o atendimento aos netos e suas mães, visando contribuir com a harmonia no lar dos idosos assistidos. Os idosos chegam pela manhã no Lar São Francisco, vindos de diferentes bairros da periferia de Fortaleza e cidades vizinhas, tomam o café da manhã, fazem atividades diversas, almoçam e ao final da tarde regressam às suas casas.
A Unimed Fortaleza criou o Programa Memória Viva, direcionado aos idosos do Lar São Francisco, com atividades terapêuticas ocupacionais e culturais, implantado a partir de 2008. Contratou a psicóloga Fátima Bertini para organizar um livro contando a vida de noventa dos idosos do referido lar.
A elaboração do livro se deu através de conversas informais entre a psicóloga e cada um dos entrevistados. No final da tarde de cada dia, dai a denominação do livro de “A Tardinha” (Memória de idosos), a coordenadora do livro conversava informalmente com cada um dos idosos, sobre as suas experiências de vida. A Dr. Fátima conduziu com habilidade as conversas, dividindo as respostas dos entrevistados conforme a sequência das entrevistas de “Tardinha Um até Tardinha Noventa”. O livro foi publicado pela Unimed Fortaleza.
Baseado na sabedoria popular e experiências de vida de cada idoso entrevistados, destacamos:
1. Durante o ano de 1937, aconteceu no Rio Grande do Sul uma praga de gafanhotos, que dizimou grandes perdas da produção agrícola daquele Estado e sendo Getúlio Vargas, o presidente que assumiu o governo central devido a revolução de 1930, enviou de navio grupos de produtores rurais gaúchos para o Estado do Ceará, conforme depoimento de idosa filha de um daqueles produtores rurais, emigrados para cá (fato histórico).
2. No ano de 1950, no interior do Estado do Ceará, foram criadas escolas para durante aulas noturnas e com duração de um mês, ensinar a população a assinar o nome e que depois de aprendido era direcionado para o cartório eleitoral, para tirar o titulo de eleitor. Um dos depoentes implorou a professora para aprender mais alguma coisa e a professora negava. Consequência o idoso vitima da mentalidade existente na época, nunca aprendeu a ler (fato politico).
3. O namoro antigamente acontecia em alguns dias da semana e resumia-se a conversar, sem direito de se quer pegar na mão do namorado (a). Um caso típico, de casa com porta e janela, a mãe da namorada ficava na sala olhando a filha e o pai na calçada, pastorando o namorado, os namorados em pé na janela (as terças e quintas feiras) e quando passava um avião, o pai dizia para a filha “está na hora de recolher” (valor familiar).
4. A educação dos filhos se dava pelo exemplo e valores dos pais. A obediência não observada por parte dos filhos, sempre era castigada com surras, utilizando diversos meios como palmatória, cordas e galhos de plantas. Exemplo sui generis de castigo, uma mãe colocava pilão cheio de água e mandava a filha socar, usando a mão de pilão, o que resultava a filha ficar molhada de água e cansada de tanto socar. O interessante que nenhum dos depoentes, que passaram pelas peias e castigos, demonstraram revolta ou resquício de desajustamento pessoal (concepção de educação).
5. Os brinquedos utilizados pelas crianças eram os existentes na natureza, como ossos de animais, quenga de coco, bonecos de espiga de milho e formas variadas do uso do barro. O interessante era quando os filhos pediam alguma coisa e os pais respondiam não posso ou não têm, os filhos aceitavam sem reclamar. Muitas das idosas afirmaram que seus netos têm hoje, vários tipos de brinquedos, não dão valor e estão sempre a reclamar (valorização do ter).
6. O alto astral das depoentes é impressionante, demonstrado pela alegria de vida e a recordar os momentos difíceis com sabedoria. Uma delas disse que “a vida é como as ondas do mar, ora violentas e noutros momentos calmos. Os momentos difíceis de minha vida foram como as ondas brabas e os felizes como as calmas e tudo passam”. Outra afirmou que “quando estava triste, colocava uma cadeira na calçada, via as pessoas passarem, conversava e depois entrava para casa, sem qualquer tristeza” (filosofia de vida).
Não deixaram os idosos de comentar, como antigamente as famílias sentavam para conversar e que hoje, as pessoas estão mais interessadas na televisão e no uso dos celulares.
Depois de visitar tais entidades que realizam importantes trabalhos sociais, torna-se evidente a necessidade de treina-las para um melhor aproveitamento dos recursos recebidos. O que sugerimos seja feito através do SEBRAE-CE.
· Professor aposentado da UFC.
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