Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Aniversário da República - Januário Bezerra

Aniversário da República

Januário Bezerra

129 anos atrás, no dia de hoje, uma alta patente da Armada Imperial apeava do poder Sua Majestade, o Imperador, na ilusão de que, para trocar um império por uma república bastaria, certamente, substituir o trono e seu ocupante, estendendo providências à chancelaria e alguma coisa mais que se mostrasse necessária. Como bem nos lembra Carlos Chagas, em “A República Proclamada sem Povo”, (...) dali para Deodoro anunciar que Ouro Preto estava deposto e preso foi um minuto. Aproximaram-se os republicanos e os militares, quando Benjamin Constant aproveitou para sugerir a Deodoro que melhor oportunidade não havia para proclamar a república, naquela hora. O marechal refugou, lembrou que o Imperador era seu amigo, mas ouviu que se a República fosse proclamada, o país seria governado por um ditador. Ele mesmo.” E assim começa a história da república hoje aniversariante.  
Quarenta anos depois, o encarregado da implantação do novo governo foi um advogado gaúcho, que se fez ditador após derrota sofrida na eleição em março. Aproveitou crime passional perpetrado no Nordeste para criar o estopim da chamada Revolução de 30, que depôs o presidente Washington Luís em 24 de outubro e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, pondo fim à chamada República Velha. 
Nos 15 anos seguintes o país experimentou não apenas crescimento qualitativo, mas, principalmente, preparou-se para assumir nova realidade política e social, decorrente da mudança do perfil econômico, deixando de ser uma economia agrícola e iniciando processo de industrialização, ao mesmo tempo em que implantava políticas estruturais na área de educação, saúde, previdência social, além de criar a Justiça do Trabalho e o direito de voto concedido à mulher. 
No segundo período getuliano de governo (31.01.1950 a 24.08.1954), com o titular eleito e empossado democraticamente, era tentada “sintonia fina” entre a vida institucional do país e a nova ordem econômica e social, decorrente do armistício assinado em 8 de maio de 1945. Várias instituições criadas e postas a funcionar no âmbito federal já mostravam, com certa nitidez, o novo desenho da república brasileira, na expectativa de distanciamento dos tempos marcados por Deodoro e Floriano Peixoto. A questão do petróleo, infelizmente, custou a vida de Getúlio Vargas, talvez o único estadista a se registrar na história da nação.  As administrações neoliberais, a partir do final Século XX, estiveram sempre empenhadas em apagar do mapa o nome e as realizações de Getúlio Dorneles Vargas, tal o processo de desconstrução responsável pela crise sem precedentes que aí está.  
A presente digressão histórica decorre de uma dúvida: há mesmo o que comemorar na República que hoje faz aniversário? Duas semanas atrás, escolhemos (por voto secreto) o novo primeiro mandatário da União, além dos governadores estaduais e o do Distrito Federal. Renovou-se parte do Senado e da Câmara dos Deputados, bem assim das assembleias estaduais. Meu ceticismo, no entanto, é ainda considerável, mesmo depois de ter visto ontem, no YouTube, todo o entusiasmo com que o ex-senador e ex-governador gaúcho Pedro Simon – do alto dos seus quase noventa anos – se manifestou a propósito do presente momento institucional brasileiro, “com muita gente graúda” conhecendo – pelo lado dentro do xadrez (é bom que se frise) – o sistema carcerário brasileiro. Queiram os bons fados que estejamos, na verdade, dando um novo rumo à saga nacional. O país parece estar em mais um processo de mudança, desde 2013. Se é verdade que “pau que nasceu torto, tarde ou nunca se endireita”, cabe a indagação: até onde continuaremos sobraçando, além de muitas outras coisas, a herança ibérica forjada em espúrias negociações da Santa Sé com os Reinos de Portugal e Espanha? Quando a questão está na origem, ou na falta dela, resta fazer o quê? A Europa, até chegar ao presente estágio civilizatório, percorreu longa trajetória cívica, toda ela sedimentada em séculos e séculos de luta, heroísmo e aprendizado. A Idade Média, por si somente, significa um milênio inteirinho de evolução e sabedoria sedimentada. A historiografia latino-americana vem de completar, agora, seu quinto século, além de que apresenta uma saga visceralmente diversa do ocorrido no chamado Velho Mundo.   

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