CRIME E LEI
Criminalidade
elevada, com o controle de território e capacidade de impor normas de conduta é
insuportável. O despejo de famílias de suas residências por bandidos é controle
territorial. A exigência de usar os faróis a meia luz, com os vidros abaixados
e a proibição de certos crimes é imposição de normas pelas facções. Discute-se agravar
penas, criar novos tipos penais, executar a lei com mais rigor, promover a
cultura de paz, políticas sociais compensatórias, aumentar efetivos das
polícias militares; maior presença do Estado.
Agravar penas e criar tipos penais não
tem impacto. A impunidade não decorre das penas suaves, mas da não aplicação da
lei. Há estados em que apenas oito porcento dos crimes são esclarecidos. Por
mais severa que seja a lei não terá efeito se não for aplicada. As diferenças
profundas nos índices de criminalidade entre estados com as mesmas leis revelam
que agravá-las não terá a efetividade que muitos esperam.
A criminalidade sofre influência da cultura
e da formação histórica e pode ser afetada por mudanças culturais abruptas. Mas
os diferentes índices de criminalidade entre Estados semelhantes sugerem que
este fator não é tão relevante quanto outras variáveis que podem exercer
controle sobre ele. Pode-se dizer o mesmo relativamente à desigualdade social,
escolaridade e pobreza.
Aumento de efetivos das polícias
militares, melhorar o seu equipamento e aperfeiçoar o recrutamento, seleção e
treinamento é uma necessidade óbvia. Promover o desfile de viaturas com sirenes
ligadas é providência de alcance duvidoso. A carência das políciais civis, que
deveriam promover a coleta de provas para o Ministério Público embasar a
denúncia e o Judiciário condenar leva a impunidade e ao fracasso dos
investimentos nas polícias militares.
A presença do Estado tem eficácia. Rua
esburacada, lixo acumulado são fatores aparentemente alheios à criminalidade,
mas passam a ideia de abandomo e encorajam a criminalidade. O Estado não
alcançará os criminosos se não consegue recolher o lixo e tapar buracos das
ruas, seguindo a lógica da teoria da janela quebrada.
A vitimização de criminosos contraria os
fatos. Empresários e políticos praticam crimes. A pobreza modifica a espécie de
crime, não a tendência criminosa. A maioria dos pobres é honesta. A vitimização
do delinquente estimula o crime, legitimando-o.
O abolicionismo das penas acusa a norma penal de ser
vingança. É um erro. O ato de punir é uma reafirmação de valores, protegendo o
bem jurídico tutelado. Matar é crime para reafirmar o valor vida. A norma penal
é uma reprovação moral aos fatos que lesionam bem jurídicos valorados
positivamente. Direito é fato, valor e norma (Miguel Reale, 1910 – 2006). A sanção
penal deve ser a ultima ratio, pois
se tudo é crime judicializam-se as relações sociais; restringe-se o espaço da
licitude (liberdade negocial); exacerba-se o controle social. O endurecimento da
lei terá maior efeito no campo da execução penal, por incidir no delinquente
identificado e julgado, não sofrendo a falta de esclarecimento da autoria dos
delitos. A legislação de Dracon foi tolerada em momento conturbado, mas durou
pouco. Temos rigorosos instrumentos constitucionais de aplicação transitória e a
sitação é calamitosa. Resta o problema da gestão da segurança pública, sem a
qual nenhuma medida terá eficácia.
Fortaleza, 16/ 01/19.
Rui Martinho Rodrigues.
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