A
POLÍTICA ADJETIVADA
O debate político resvalou para a
adjetivação. Fascista, comunista, radical, extremista, direita, esquerda,
reacionário, progressista, estúpido, preconceituoso, ignorante, machista,
homofóbico e tantas outras formas de adjetivação de sentido agressivo dominaram
todos os espaços da política. Até a produção intelectual foi afetada. Embora
continue sendo recomendado, nos manuais de metodologia, que se evite a
superficialidade do uso de adjetivos, as dissertações e teses acadêmica abrigam
cada vez mais qualificativos como machista e homofóbico. A tentativa de suprir
a falta de conteúdo substantivo por qualificações tem o vezo de concluir antecipadamente,
dando as conclusões do autor como fato público e notório, apto a dispensar
fundamentação fática e análise. Retira do leitor a prerrogativa da formular seu
próprio juízo. É conduta de pregador, talvez ligada atavicammente ao messiânico
da educação jesuítica, que era proselitista, com forte carga maniqueísta.
Isso tem sido combatido quando praticado
por gente simples nas redes sociais. Os meios tradicionais de comunicação,
todavia, praticam em larga escala a adjetivação, juntamente com o uso de
advérbios de intensidade. O adjetivo “direita” vem sempre acompanhado do
advébio de intensidade “extrema”. Jornalistas, muitos dos quais, por força das
limitações financeiras das empresas de comunicação, têm a ingrata missão de ser
especialista em tudo, usam e abusam da indução por exclusão, que consiste em
analisar, no curso de um debate, uma ou mais possibilidades e, após excluí-las,
dizer que então um pensamento ou um fato “só pode” levar a um resultado ou ser
típico de um adjetivo, uma outra opção que é então apresentada. Esta passa a
ser dada como confirmada ou infirmada, como o caso.
Trata-se da mais equivocada forma de
indução. O caminho do sofisma e do erro fica assim escancarado, pois as possibilidades
de raciocínio não podem ser dada como exauridas após a apresentação de algumas
delas, principalmente quando a enumeração do suposto conjunto de todas as
opções é feita por um “tudólogo” que nem sempre conhece a semântica do léxico
em exame.
Adjetivos e indução por
exclusão, além da inconsistência lógica, da nítida carência de base factual e
da tendência ao sofisma, facilmente introduzem a agressividade, o desrespeito e
a agressão. Assim desmentem a suposta superioridade moral e intelectual dos que
se presumem esclarecidos. O laicismo também comprometido pelo uso da convicção
dogmática como fundamento de validade do raciocínio. A passionalidade não é
surpreendente em política. Mas tende a comprometer a validação do discurso.
Também tende a promover a agressividade. As partes dos conflitos geralmente se
acusam mutuamente de iniciar as ofensas. Mas uma forma de saber quem é mais
agressivo é observar quem intimida mais a outra parte. A diferença em os dados
obtidos em pesquisas eleitorais e os resulttados verificados nas urnas têm sido
atribuídas ao “voto envergonhado”. Não seria este um voto intimidado, ao invés
de envergonhado? É razoável pensar que sim. Quem teme declarar o voto? Este é o
intimidado, é o que não intimida o outro. Quem não teme declarar o voto? Este é
o mais agressivo, é o que intimida o outro. O mais agressivo geralmente está
armado de convicção, achando-se esclarecido, amparado por algum autor renomado
que propõe alguma reengenharia social e antropólogica. Tal engenharia, porém,
não tem o arrimo de uma epistemologia apta a fazer previsão de resultados, como
fazem astrônomos. Representam muito mais ideias românticas de quem pisa nos astros
distraído, fracassadas em todas as experiências históricas.
Fortaleza, 15 de
janeiro de 2019.
Rui
Martinho Rodrigues.
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