SÁBIOS, SABIDOS E
SIMPÓRIOS
A história das
civizações é cíclica, como demonstrou Arnold Joseph Toynbee (1889 – 1975).
Desgasta-se o ordenamento cognitivo. Vem a sucessão de correntes teóricas e
metodológicas, padrões estéticos. Este tem modismos mais visíveis do que a
alternância das tendências filosóficas. Classicismo, romantismo, modernismo são
exemplos do desgaste e sucessão das tendências em uma dimensão diversa dos
ciclos descritos por Toynbee, mas também representam ciclos. Pré-socráticos e
sofistas são exemplos de sucessão relacionada com o desgate cíclico do
ordenamento cognitivo, como da sensibilidade.
O desgaste das fórmulas
políticas foi apontado por Aristóteles (384 a.C.– 322 a.C.). O estagirita
apontou a tirania como a decadência da monarquia, oligarquia como aristocracia
decaída, demagogia como democracia degenerada. Hoje aludimos ao populismo, ao
invés de demagogia. O obstáculo epistemológico constituído pelo saber, conforme
Gaston Bachelard (1884 – 1962) é atenuado com o abalo dos paradigmas (Thomas
Samuel Kuhn, 1922 – 1996). O acesso ao exercício da livre cogitação é favorecido.
O declinínio do
ordenamento social, político, econômico e cognitivo da Idade Média favoreceu as
tendências mais díspara. Deu lugar a um Galileu Galilei (1564 – 1642) e a um
Michel de Nostradame (1503 – 1566). O declínio da modernidade repete este
fenômeno. Galileu, representante exemplar do tipo de sensibilidade e pensamento
modernos, era laico, buscava discenir regularidades na forma de leis, era
matemático, acreditava nos raciocínios rigorosos e nas verdades objetiva e
lógica (na forma de dedução e indução) estudava o ser na dimensão
fenomenológica, renunciando ao saber que pretende prescrever o dever ser ôntico
e ontológico.
A modernidade começou a
tentar usar o método científico (em sentido estrito) nas ciências sociais, iniciando
uma mudança. Irregularidade dos fenômenos, volição, sensibilidade e ação
finalista, condição de sujeito da ação, obstaculou a “Física Social” pretendida
por Isidore Auguste François Xavier Comte (1798 – 1857). Este é apenas o
exemplo mais claro do equívoco. Começou a modernidade a se desviar do próprio
caminho antes de Comte. Passou a buscar o dever ser, usando o adjetivo
“ciência” como panóplia para especulação.
A engenharia social não
pode captar regularidades e leis inexistentes. Não tem previsibilidade, salvo
nos pequenos fragmentos da realidade ou tendências genéricas. Nas salas de
aula, encontram-se pessoas que no futuro estarão casadas, terão filhos, irão divorciar-se.
Não sabemos, porém, quando, nem quem estará nestas condições. O adjetivo
“científico” foi largamente usado pelo socialismo. Muitos imaginavam uma
ciência ao modo newtoniano, com leis, previsibilidade, apta a orientar a
política. Firedrich Engels (1820 – 1895), no prefácio a uma edição do manifesto
comunista, lançada em memória da Karl Heirinch Marx (1818 – 1883), cita inúmeras
vezes a expressão “leis da História”.
A luta pelo status de ciência é comum a muitos
estudos. O significado do que seja tal coisa, porém, é polissêmico. Nas
ciências da natureza é fenomênico, tem leis ou probabilidades como arrimo,
previsibilidade, corrige os próprios erros substituindo modelos infirmados na
prática. Não reivindica superioridade moral ou virtudes cívicas como fundamento
de suas proposições.
Não é assim nas
ciências da humanas. A contemporaneidade tende a recusar a lógica dos
raciocínios rigorosos, lineares, não exige de si mesma precisão nos conceitos
nem resultados previsíveis, é relativista, não corrige os seus erros. Até a
filosofia da práxis se evade da responsabilidade por suas experiências
históricas. Os erros dos pensadores abalaram a hegemonia das grandes
narrativas. Sábios eram sabidos. A pregação da fraternidade deu lugar à guilhotina
dos jacobinos. O igualitarismo levou ao que Milovan Djilas (1911 – 1995),
teórico do partido comunista iuguslavo, depois que decepcionou-se chamou de
“nova classe”, a desigualdade criada pelos igualitaristas no poder. Foi assim
em todas as experiências históricas. O abalo das referencias medievais ensejou a
liberdade e levou à ciência como ao misticismo. A pós-modernidade tem sabidos
contumazes, sonhadores e diligentes competentes ou incompetentes. Simplórios tornaram-se
sujeitos da história: falam a linguagem do povo e expressam a indignação das
massas. Talvez errem menos do que os sábios sabidos. O tempo dirá.
Fortaleza, 23/1/19.
Rui Martinho Rodrigues.
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