A
GUERRA ESQUECIDA
A
guerra na Síria ocupa lugar de destaque nas preocupações das grandes potências.
Interesses geopolíticos podem levar a uma conflagração mundial. Guerras de
menor interesse estratégico são esquecidas, como a guerra civil brasileira,
esquecida até pelos nossos políticos e intelectuais. Travada, durante muito
tempo na periferia das nossas cidades, permaneceu relegada aos noticiários
policiais, categoria desprestigiada nos meios de comunicação. Não era – e ainda
não é – reconhecida como tal por muitos. Fazia vítima nos ônibus e pontos de
espera desta modalidade de transporte, nos bares da periferia, em seus bailes e
ruas mal iluminadas. Vitimava, no comércio de drogas ilícitas, inadimplentes e
concorrentes. Achávamos que isso não atingiria outros espaços sociais. A
cultura hedonista aderiu de corpo e alma ao consumo de drogas, gerando rios de
dinheiro. Nasceu assim a bandidagem milionária.
A
rica logística do crime garante o abastecimento de armas e munições, o
suprimento da mercadoria que a tudo financia, corrompe do “flanelinha” que
passa a agir como “avião”, para abastecer o consumidor, até autoridades. A
guerrilha ideológica nunca teve tanto dinheiro, armas, munição, “recrutas” e
“colaboradores” – inclusive no interior do aparato estatal. Nunca atacou tantos
prédios públicos, matou tantos policiais, ou causou tanto pânico,
periodicamente na população, em tantos estados e cidades, escapando
completamente ao controle dos órgãos de segurança.
Autoridades
se curvam, fazendo discretamente acordos com a bandidagem. Ficou evidente:
temos uma guerra civil. Os atingidos não são apenas usuários de ônibus,
transeuntes de ruas escuras da periferia, frequentadores de bailes dos
subúrbios ou membros das facções em luta. Os exércitos das drogas mostraram-se
fortes o bastante para conturbar as cidades e controlar território. Sim, casas
são confiscadas para uso das facções, uso este que só é possível mediante
controle de território. Ainda assim a nossa guerra civil permanece esquecida em
plena campanha eleitoral. Conferir destaque ao tema continua parecendo coisa de
ignorante, pessoa incapaz de entender a complexidade do problema e suas raízes
sociais. A ideologização dos meios letrados nos cegou.
A
realidade é que a complexidade do fenômeno é maior do que os esquemas para os
quais tudo se resume a uma divisão dicotômica da sociedade entre oprimidos e
opressores. Temos corrupção em larga escala nos meios privilegiados. Temos
gente decente entre os pobres. A guerra tem muitas frentes. Uma delas é a das
representações simbólicas. Deformadores de opinião desorientaram a sociedade.
Levaram-na a pensar ideologicamente, a um olhar complacente para com o crime. A
sedução libertária em face do hedonismo levou-nos a financiar a bandidagem via
consumo da sua principal fonte de aprovisionamento: o comércio de drogas. Outro
lado é o da confrontação, que não é suficiente para ganhar a guerra, mas sem
qual também não se alcança a vitória. Não se enfrenta um conflito sem leis de
guerra, que não devem durar mais do que a conflagração. Temos o estado de
sítio. Por que ainda não recorremos a ele, declaramos o estado de guerra e
elaboramos leis de vigência transitória compatíveis com as necessidades da
situação?
Porto
Alegre, 01 de agosto de 2018
Rui
Martinho Rodrigues
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