A
CRISE DO MECANISMO
O poder político repousa sobre fórmulas
que se desgastam com o tempo. Bem-estar, liberdade, virtude cívica e segurança
são peças do mecanismo de legitimação da convivência na polis. A análise
semiótica tem aspectos sintático, semântico e pragmático. O discurso político
atribui diferentes funções sintáticas, variados sentidos semânticos e arranjos
pragmáticos aos seus mecanismos de legitimação. Bem-estar é um bordão cuja
função sintática tem sido usada pelas correntes ditas populares. A semântica do
alegado bem-estar enfrenta o problema pragmático da realização de promessas e
da compreensão do que seja tal coisa. A política não pode fugir indefinidamente
ao exame realização das suas promessas.
A Filosofia da linguagem procura
ressignificar palavras e modifica a função sintática das mesmas na política. Modificam
a semântica a serviço do mecanismo de poder, revolucionando também a sintaxe
política. A moral conservadora passou à condição de preconceito,
desqualificando os seus seguidores. Isso pode deslumbrar estudantes, sejam ou
não estudiosos. Professores, clérigos, comunicadores – autonomeados novos
gestores da moral – foram assim formados.
O bem-estar foi semanticamente
reconfigurado. Deixou de ser acesso aos bens e serviços ligados ao conforto e
realização de desejos. Estes foram rebaixados a consumismo. Virtude passou a
ser a defesa de valores antagônicos à moral tradicional e ao consumismo,
substituídos pela solidariedade social, cujo ônus poderia afastar adesões. Mas uma
vez estatizada não recai sobre os seus defensores. É uma cômoda demonstração de
virtude. A crítica ao consumismo, porém, não consegue burlar o lado pragmático
da análise semiótica. Sobrevive com a observação seletiva. É agradável a
sensação de ser virtuoso, discursar sobre solidariedade enquanto não faz outra
coisa além de lutar pelo poder; criticando como exclusão a não participação no
famigerado consumismo.
É fácil apelar para a
Filosofia da linguagem e dizer que um círculo deveria ter quatro lados iguais
delimitados por quatro ângulos internos de noventa graus. O pragmatismo, porém,
não se seduz pela embriaguez do virtuosismo verbal. O bem-estar, cedo ou tarde,
apresenta a conta. Quem paga diretamente o que usa sabe que o quanto paga e
quem está embolsando o pagamento. Quem tem a ilusão de não pagar ignora tudo
isso. A conta chega. É salgada. O mecanismo entra em crise. É a hora do
pragmatismo. Os não envolvidos pela nova semântico e pela revolução sintática
da linguagem política despertam diante do desastre financeiro e do
desmascaramento da virtude e da sabedoria falsas. É a ruptura com o mecanismo. A
crise ideológica do mecanismo é incontornável. Partidos, líderes, intelectuais,
Congresso e tribunais estão sofrendo a crise do mecanismo. Só o tempo sabe o
que virá.
Porto Alegre, 06 de
agosto de 2018.
Rui Martinho Rodrigues.
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