ULTRAPASSADO
Sou do tempo em que um objeto perdido
continuava pertencendo a quem o tivesse adquirido legalmente - e cabia a quem o
encontrasse a obrigação moral de devolvê-lo. Tempos em que respeitar as Leis, a
propriedade alheia, os direitos individuais, as normas de boa conduta,
significava ser honesto, ser correto...Ser bom cidadão.
Eu venho de um tempo distante, em que as
mulheres gostavam de ganhar flores e bombons.
No mundo do meu passado, eram os pais que
criavam e educavam os próprios filhos - não as empregadas domésticas, não os
professores, nem sempre preparados para tal fim... Naquele tempo, até se podia
não ter instrução... Mas boas maneiras vinham do berço...!
Eu sou do tempo em que o título de Doutor era
uma conquista intelectual – não financeira, não uma exigência embasada na
vaidade.
Recordo os longínquos anos em que se
valorizava um gesto educado. Termos mágicos como “muito obrigado!”,
“desculpe-me!”, “dê-me licença!”, conferiam respeito a quem os empregasse.
Cidadãos não pertencentes ao nosso convívio íntimo eram tratados por Senhor,
por Senhora... E ninguém se sentia velho, nem inferiorizado com isso...!
Senhorita, ao invés de “você ou tu...”, caía muito melhor. As roupas usadas tinham, por objetivo, resguardar as
partes íntimas - não salientá-las ou adorná-las. Ativava-se, com isso, a
imaginação das pessoas - como acontecia nas antigas novelas de rádio.
Eu venho daqueles tempos em que era o homem
que tinha de convencer a mulher a namorá-lo. Namorar sim, ao invés do
descompromissado “ficar”.
Quão saudosa é aquela época em que velhice
era sinônimo de sabedoria...! Que o fim da vida não era antecipado, só porque
já não se podia mais carregar um saco de cimento.
Eu sou daqueles tempos em que a maior
garantia que uma pessoa podia dar era o empenho da própria palavra. E valia
muito...!
Ser amigo, naquele tempo, significava ser
comprometido com os interesses e o bem-estar do outro. Sacrificava-se em prol
de tal compromisso. Manobras de espertezas não faziam parte do leque de
possibilidades em tais relacionamentos.
Naquela época, o trabalho enobrecia.
Proporcionava satisfação social, orgulho e impunha respeito à sociedade. Pouco
dinheiro e moral elevada compunham um par perfeito.
Ser pobre, nos velhos tempos, não significava
viver na contravenção, na marginalidade, na desonestidade, nem ser um derrotado
definitivo. Ser rico, também, não significava, obrigatoriamente, ser um
aproveitador do desfavorecimento alheio...
Naquele tempo, eram os bandidos que ficavam
atrás das grades – não o cidadão, como se vê nos dias atuais. Policial era
inimigo declarado do desonesto, do contraventor; e era ele o caçador – não a
caça. Polícia prendia, a Lei julgava, condenava e encarcerava. Por esse motivo,
o crime não compensava. Bandido não
roubava no próprio bairro, com medo de ser reconhecido e denunciado.
Eu venho daqueles tempos em que o novo membro
da família simplesmente “chegava”, trazido pela cegonha - não pela manipulação
genética, qual um pacote encomendado. Filho, naqueles tempos, tinham,
obrigatória e reconhecidamente, um pai, que tomava as decisões importantes.
Hoje - meio deslocado - vivo a rejeitar a tão disseminada ditadura infantil.
Sou do tempo em que a moral prevalecia sobre
o interesse pessoal, sobre a indecência, sobre a matreirice. Tempo em que o
poder andar de cabeça erguida era o melhor negócio.
Sangra-me o coração só de pensar que a vida,
nos dias de hoje, não vale mais um velho tostão...! Que de seres determinantes,
passamos a singelos números de estatísticas.
Sinto-me perdido neste mundo, onde se morre, onde
se mata... Até por uma simples cocada.
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