SE FICAR O BICHO PEGA...
Há circunstâncias em que escolhas
possíveis ocasionam prejuízos. A sabedoria popular as descreve dizendo que se
correr o bicho pega, se ficar o bicho come. O coronavirus tem infectividade
elevada, que é poder de contágio; patogenicidade baixa, ensejando grande número
de infectados assintomáticos, que permanecem socialmente ativos, contagiando
pessoas; virulência suficiente para ocasionar quadros clínicos severos na
grande parcela da população fragilizada por comorbibidades ou pelo
envelhecimento; o mundo globalizado, marcado por grande mobilidade geográfica e
pelo adensamento populacional das grandes cidades são fatores que levaram
alguns pesquisadores a manifestar preocupação, com bastante antecedência, com o
potencial de pandemia dos vírus do gênero, família ou classe, seja qual for a
taxionomia, coronavirus. Idosos; imunodeprimidos, como transplantados, HIV
positivos, diabéticos, cardiopatas, asmáticos e outros, formam um contigente de
grandes proporções. Daí a farta colheita das Parcas.
Uma canção infantil dizia que “uma vez
três rapazinhos/ se perderam no caminho/ quando viram no fim da estrada/
apareceu um lobisomem/ o primeiro fugiu correndo/ o segundo subiu num cercado/
o terceiro ficou tremendo/ foi pegado e devorado”. A sabedoria era procurar
abrigo ou fugir, sob pena de ser devorado. Se ficar o bicho come. O mundo
decidiu não ficar parado. Correr, no caso, é ficar parado como proteção. O dia
em que a terra parou, de Raul Seixas, tornou-se realidade. Pararam ou reduziram
drasticamente o movimento escolas, teatros, cinemas, circos, bares, transporte
público, restaurantes, campeonatos, tudo. Entretenimento, cultura, indústria,
transporte, comércio. Até o Congresso parou. Fronteiras internacionais e divisas
interestaduais foram fechadas. Ficar parado, ficar em casa, adquiriu o sentido
de fugir correndo. Afinal, ficar tremendo é esperar para ser devorado. Se ficar
o bicho come.
Desemprego, corte parcial de salários,
queda do consumo de bens e serviços, pagamento de prestações da casa própria,
aluguéis, tributos, conta de luz e água, tudo adiado. Taxa condominial? Não
sei. A União é chamada a suprir os problemas de caixa do dia em que a terra
parou, socorrendo assalariados, empresas, estados federados e municípios.
Faltou alguém? Sim. Quem socorrerá o caixa da União, o grande Leviatã? O
aumento da dívida é a saída? Quem irá financiá-lo? Baixaram os juros. Há
candidatos a mutuantes do erário quebrado e a juros baixos? Os juros voltarão a
subir, em algum momento? A recessão global diminuirá as exportações. O câmbio
subirá mais ainda? Desvalorização cambial e juros, mais déficit público gigantesco
lembram inflação. Haverá emissão para “cobrir” déficit?
As respostas a estas e
outras indagações são necessárias para que a solução de “fugir correndo” não
corresponda a parte da parêmia que diz: se correr o bicho pega. É preocupante
que até agora não tenham sido dadas explicações indicativas das soluções que
impedirão o bicho de nos pegar. Somas muito elevadas são mencionadas como parte
da solução. Problemas são dados como mitigados pelo uso da cifras aludidas.
Discute-se quem deve ser socorrido, quanto deve ser usado para socorrer. O
problema prático, porém, exige, para ser resolvido, resposta para duas
perguntas: qual será o custo? De onde vira o dinheiro? A primeira parte tem
sido tratada com muita desenvoltura. Falta esclarecer a segunda questão.
Ninguém responde. Todos temem ser apontados como argentário, impiedoso, cruel.
Há quem fale, todavia, limitar as medidas aos grupos vulneráveis, mitigando o
impacto econômico e social.
Fortaleza, 24/3/20.
Rui Martinho Rodrigues.
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