Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

terça-feira, 24 de março de 2020

SE FICAR O BICHO PEGA... Fortaleza, 24/3/20. Rui Martinho Rodrigues.


SE FICAR O BICHO PEGA...

Há circunstâncias em que escolhas possíveis ocasionam prejuízos. A sabedoria popular as descreve dizendo que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. O coronavirus tem infectividade elevada, que é poder de contágio; patogenicidade baixa, ensejando grande número de infectados assintomáticos, que permanecem socialmente ativos, contagiando pessoas; virulência suficiente para ocasionar quadros clínicos severos na grande parcela da população fragilizada por comorbibidades ou pelo envelhecimento; o mundo globalizado, marcado por grande mobilidade geográfica e pelo adensamento populacional das grandes cidades são fatores que levaram alguns pesquisadores a manifestar preocupação, com bastante antecedência, com o potencial de pandemia dos vírus do gênero, família ou classe, seja qual for a taxionomia, coronavirus. Idosos; imunodeprimidos, como transplantados, HIV positivos, diabéticos, cardiopatas, asmáticos e outros, formam um contigente de grandes proporções. Daí a farta colheita das Parcas.

Uma canção infantil dizia que “uma vez três rapazinhos/ se perderam no caminho/ quando viram no fim da estrada/ apareceu um lobisomem/ o primeiro fugiu correndo/ o segundo subiu num cercado/ o terceiro ficou tremendo/ foi pegado e devorado”. A sabedoria era procurar abrigo ou fugir, sob pena de ser devorado. Se ficar o bicho come. O mundo decidiu não ficar parado. Correr, no caso, é ficar parado como proteção. O dia em que a terra parou, de Raul Seixas, tornou-se realidade. Pararam ou reduziram drasticamente o movimento escolas, teatros, cinemas, circos, bares, transporte público, restaurantes, campeonatos, tudo. Entretenimento, cultura, indústria, transporte, comércio. Até o Congresso parou. Fronteiras internacionais e divisas interestaduais foram fechadas. Ficar parado, ficar em casa, adquiriu o sentido de fugir correndo. Afinal, ficar tremendo é esperar para ser devorado. Se ficar o bicho come.

Desemprego, corte parcial de salários, queda do consumo de bens e serviços, pagamento de prestações da casa própria, aluguéis, tributos, conta de luz e água, tudo adiado. Taxa condominial? Não sei. A União é chamada a suprir os problemas de caixa do dia em que a terra parou, socorrendo assalariados, empresas, estados federados e municípios. Faltou alguém? Sim. Quem socorrerá o caixa da União, o grande Leviatã? O aumento da dívida é a saída? Quem irá financiá-lo? Baixaram os juros. Há candidatos a mutuantes do erário quebrado e a juros baixos? Os juros voltarão a subir, em algum momento? A recessão global diminuirá as exportações. O câmbio subirá mais ainda? Desvalorização cambial e juros, mais déficit público gigantesco lembram inflação. Haverá emissão para “cobrir” déficit?

As respostas a estas e outras indagações são necessárias para que a solução de “fugir correndo” não corresponda a parte da parêmia que diz: se correr o bicho pega. É preocupante que até agora não tenham sido dadas explicações indicativas das soluções que impedirão o bicho de nos pegar. Somas muito elevadas são mencionadas como parte da solução. Problemas são dados como mitigados pelo uso da cifras aludidas. Discute-se quem deve ser socorrido, quanto deve ser usado para socorrer. O problema prático, porém, exige, para ser resolvido, resposta para duas perguntas: qual será o custo? De onde vira o dinheiro? A primeira parte tem sido tratada com muita desenvoltura. Falta esclarecer a segunda questão. Ninguém responde. Todos temem ser apontados como argentário, impiedoso, cruel. Há quem fale, todavia, limitar as medidas aos grupos vulneráveis, mitigando o impacto econômico e social.

Fortaleza, 24/3/20.

Rui Martinho Rodrigues.




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