POLÍTICA,
CONFLITO E NEGOCIAÇÃO
Entre
duas hipóteses baseadas nas mesmas evidências, a simples provavelmente é a mais
certa, preleciona William de Occam (1285 – 1347). A mais complexa assim o é por
necessitar de sucessivas emendas. Isso vale para a análise de fenômenos
simples. A política, porém, é um campo de grande complexidade, exige análise igualmente
complexa para evitar incorrer em reducionismo. Negociação e conflito são
presença recorrente nos negócios da polis. Partidos, interesses, paixões, ideias,
força, valores em sentido axiológico, representação, liderança e regras do jogo
são alguns dos seus elementos.
Samuel
P. Huntington (1927 – 2008) assinalou a fragilidade do Estado sem partido. Representação,
definição de interesses, ideias ou princípios e lideranças encontram nas
agremiações partidárias uma via de expressão de grande relevância, condições
propiciadoras do processo democrático. Nos faltam todas estas condições. A
importância dos líderes não é reconhecida apenas pela concepção personalista da
História. Até pensadores que têm como principal unidade de análise a categoria
teórica classe social, como Gueorgi Valentinovich Plekhanov (1856 – 1918)
admitiu que grandes homens desempenham um papel importante no desenvolvimento
histórico. Henry Thomas Buckle (1821 – 1862), que por caminhos diferentes de
Plekhanov, formulou uma interpretação nomológica da História, admitiu, ao lado
da ação dos fenômenos exteriores sobre o espírito, a ação do espírito sobre os
fenômenos.
Reconheçamos:
líderes são influentes. A falta deles, no grave momento que vivemos, é
prejudicial. A falta de representação de interesses segundo prioridades,
canalizada por agremiações minimamente representativas dificulta a negociação. Quem
não negocia combate. A escolha do conflito como rota de ação política pode
resultar da imitação de exemplos externos e da falta de habilidade diplomática.
A impossibilidade de diálogo com adversários que consideram a ordem socialmente
estabelecida como imposição de vencedores no conflito social, negociando como
ardil também dificulta o entendimento. O maior obstáculo é a disputa em torno
de valores, paixões, interesses e convicções inegociáveis e a crença nas
próprias forças para obeter vitória no confronto. Donald John Trump optou pelo
conflito no jogo político. Fê-lo com o apoio de um partido forte e no contexto
de instituições sólidas.
Repetir
o feito no Brasil, sem partido; sem instituições tão sólidas; no ambiente de
valores e princípios macunaimicamente líquidos; enfrentando problemas muito
mais graves é uma escolha perigosa. Vivemos o drama de uma pandemia que abalou
os sistemas hospitalares de países muito mais desenvolvidos. A tragédia assim
configurada não precedente nas sociedades urbanas, com grande mobilidade
geográfica, grandes aglomerados e grande parcela formada por idosos,
cardiopatas, diabéticos, obesos, imunodeprimidos e outros grupos vulneráveis.
O
drama exigiu medidas extremas, inquestionavelmente úteis. Resta saber como sair
delas antes que a hecatombe social se torne maior do que o desastre do vírus. A
procura de soluções compatíveis com as peculiaridades sociais e financeiras do
Brasil, com toda a diversidade geográfica, cultural e econômica exige
entendimento. Critérios técnicos são mais fáceis de harmonizar do que paixões e
convicções políticas ou interesses particularistas. Permanece, todavia, a
reserva do possível. O acirramento dos ânimos e a polarização permitem a opção
pela negociação? Ou o conflito é uma imposição da realidade?
Fortaleza,
26/3/2020.
Rui
Martinho rodrigues
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