O
DILEMA DA GOVERNABILIDADE
A governabilidade é um velho repto com
que se defronta a sociedade brasileira. Jânio da Silva Quadros (1917 – 1992)
chegou a dizer que o Brasil só poderia ser governado a pau. José Sarney de
Araújo Costa (1930 – vivo) declarou que o Brasil seria ingovernável com a
CF/88. Stuart Burton Schwartz (1940 – vivo), na obra Burocracia e sociedade no
Brasil colonial, descreve o ambiente de improbidade administrativa, barganha
política, arbitrariedade e corrupção envolvendo a suprema corte da Bahia e seus
juízes, entre 1609 e 1751.
A governabilidade, desde então, é um
verdadeiro trabalho de Hércules em nosso país. O autoritarismo foi tentado
sucessivas vezes como solução para o problema. O Marquês de Pombal ou Sebastião
José de Carvalho e Mello (1699 – 1782) tentou a via do autoritarismo, reforçando
esta prática que vigorava em Portugal. O Estado Novo varguista tentou, com
apoio do tenentismo do “Club 3 de Outubro”, o mesmo caminho trilhado por
Pombal. O consulado militar iniciado em 1964 repetiu a tentativa. Os três
momentos de intensificação do autoritarismo tradicional fizeram algumas
realizações importantes. Não conseguiram, porém, introduzir uma mudança de
costumes políticos, administrativos. Leis que “não pegam”, leniência com
improbidade, barganha política nada republicanas, tolerância com amotinados ou
invasores de propriedades continuam presentes.
Formação histórica, do
ponto de vista das instituições por Raymundo Faoro (1925 – 2003); da cultura,
conforme Clodomir Vianna Moog (1906 – 1988), têm sido estudados ao lado de
outros fatores por autores diversos. A via constitucional democrática também
foi tentada e produziu valiosas realizações no institucional e social, mas
tomou o caminho do presidencialismo de cooptação, com improbidade, clientelismo
e outros vícios. Os tempos históricos, na visão de Ferdinand Brauldel (1902 –
1985), podem ser de curta, média e longa duração. As práticas nada republicanas
e o desapreço pela normatividade social parecem fazer parte do terceiro destes
ritmos na nossa caminhada histórica.
O agravamento do uso
abusivo do munos publicum causou revolta, malgrado sermos um povo
tolerante com o absurdo. Toleramos tudo. Até mais assassinatos entre nós do que
as baixas de um exércitos em guerra. Macunaíma, personagem criado por Mário
Raul Morais de Andrade (1893 – 1945), personifica alguém qualificado como sem
nenhum caráter, defendido por alguns como representante da tolerância do
brasileiro. Outros consideram o personagem citado como indifernte e até
conivente com todo desvio de conduta.
Mas até o Macunaíma horrorizou-se
com a escala dos escândalos políticos e com a mudança cultural forçada pelos
novos gestores da moral e dos costumes. Reagiu. Optou por uma ruptura com as
práticas que repudiou. Como romper, porém, é o nó górdio do problema. O
autoritarismo não convém e não soluciona. A cooptação aprofundou a degradação dos
costumes. Surgiu a administração pelo conflito, praticada nos EUA e outros
lugares. Mas no Brasil as instituições não são tão sólidas. Nossos partidos são
ainda menos representativos. Algumas vitórias foram alcançadas pela mobilização
popular passando ao largo das instituições, açulando a militância, conforme
estilo diverso do caminho institucional; ou apesar do conflito, dizem alguns.
Ruptura, porém, não se
faz com punhos de renda. Mas existem limites para o conflito dentro do ordenamento
institucional. Vencerão as reformas e a transformação dos costumes políticos?
Ou voltaremos ao reino da propina e do loteamento do serviço público para fins
de enriquecimento?
Fortaleza, 29/2/2020.
Rui Martinho Rodrigues.
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