ASPIRAÇÕES E DIREITOS
Desviamos a nossa
atenção da produtividade. Trocamos a propensão de poupar, pela de consumir e
pelo uso do crédito para desfrute. Consumo sem renda, produção sem investimento
e com baixa produtividade são falsos milagres. A complexidade do mundo
contemporâneo exige regulamentações e obrigações de fazer por parte do Estado.
É preciso, porém, parcimônia na dosimetria das benesses e tutelas delas
decorrentes. A degradação da democracia em demagogia (Aristóteles, (384 a. C. –
322 a. C.) se ligado, hoje, principalmente ao excesso de demandas (Norberto
Bobbio, 1909 – 2004). Eleições tornaram-se concursos de promessas
irrealizáveis. Não aprendemos com os fatos. Déficit público, juros altos,
recessão e desemprego passam em branco pelas nossas consciências, como os
acidentes de trabalho e de trânsito, sem que tomemos as devidas precauções.
Aspirações conduzem a
diferentes motivações e iniciativas. Esforço e empreendedorismo podem nascer de
legítimas demandas. São caminhos de quem persegue os próprios objetivos pela
superação de obstáculos, por serem direitos potestativos, aos quais não cabe
contestação, mas que não impõem deveres a terceiros. Outro é o roteiro de quem
atribui ao direito potestativo às suas realizações, a falsa prerrogativa de exigibilidade
contra terceiros.
Os códigos de Manu (situado
entre o ano 1000 e 1500 a. C.) e de Hamurabi (séc. XVIII a.C.), entre outros,
expressavam comandos do rei, dirigidos aos súditos, prescrevendo obrigações de
não fazer. Protegiam o mais fraco. Diziam: não mate, não tome a mulher do
outro, não roube, que são práticas do mais forte. Depois tivemos comandos dos
cidadãos endereçadas ao rei, também expressando obrigações de não fazer,
limitando o poder do Estado e dos seus detentores, como a Carta do Rei João sem
Terra, em 1215, dizendo coisas como não cobre impostos sem ser autorizado por
lei, nem condene sem o devido processo legal, protegendo o cidadão, a parte
mais fraca, do Estado, a parte mais forte. Obrigação negativa não gera ônus
material. Não enseja à parte obrigada a oportunidade de reivindicar poder para
adimplir a obrigação.
Modernamente os
cidadãos atribuíram ao Estado obrigações de fazer. Serviços de saúde e educação
se somaram ao milenar dever de prover segurança e dirimir conflitos, até então
únicas obrigações de fazer. Seguiram-se as obrigações positivas para com
habitação, transporte, lazer. A lista é sempre crescente. O processo histórico
criou necessidades incontornáveis que estão na origem de tais obrigações. Aprendemos
a gostar de tais direitos e chegamos ao Estado provedor. O desfrute do próprio
esforço, direito potestativo, está sendo substituído pelo direito de exigir de
terreiros, no caso do Estado, o gozo do que não foi conquistado. A ideia de
superação das dificuldades cedeu lugar a revolta em face dos obstáculos
próprios da vida fora do paraíso.
É cômodo defender
direitos exigíveis; atribuir dificuldades e frustrações a terceiros;
responsabilizar a realidade circundante pelos nossos erros; dizer que todos somos
inocentes e as nossas aspirações são exigíveis contra terceiros. O Estado
passou a ter as mais amplas obrigações de fazer. Adquiriu, ipso facto, poderes sobre uma gama cada vez maior de poder sobre
meios, situações e pessoas. Regulamentações, tributos e um dilúvio de problemas
seguem a era dos direitos (Bobbio, 2004). O fim do voto censitário tornou
preponderante a representação dos que reivindicam direitos transferindo para
terceiros o ônus das conquistas. Os custos, todavia, sempre chegam aos
beneficiários e são mais caros do que se fossem pagos pelo próprio cidadão.
Fortaleza, 26 de
setembro de 2018.
Rui Martinho Rodrigues
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