A
INCOMUNICABILIDADE DOS PARADIGMAS
Inovações
científicas profundas não são compreendidas pela comunidade científica. Incomunicabilidade
dos paradigmas, é como Thomas Kuhn (1922 – 1996) designou este fenômeno. Não só
Galileu (1564 – 1642) enfrentou resistência ao divergir do pensamento dominante
entre eruditos. Giordano Bruno (1548 – 1600) foi sacrificado. A modernidade
deixou de queimar na fogueira, mas continuou “queimando” em sentido figurado.
Freud (1856 – 1939) foi expulso do Conselho de Medicina; Pasteur (1822 – 1895)
só não foi internado em algum manicômio por ter amizades que o trataram com
tolerância. Max Planck (1858 – 1947) disse que a Física só cresce quando morre
uma geração de físicos. Isso apesar das leis da Física não dizerem como o
universo deveria ser, mas como ele é, sem aludir a nenhum sentido valorativo ao
que é descrito ou explicado, permanecendo fora das discussões valorativas.
As
ciências da cultura não guardam tão escrupulosamente a separação entre o ser e
o dever ser. Nelas temos o sentido da ação do sujeito, pois estudam fenômenos
movidos por sujeitos. Começa um conflito: existe ação voluntária ou somos o
reflexo de infraestruturas e superestruturas sociais, culturais, políticas,
econômicas combinadas com fatores genéticos? Não havendo ação voluntária somos
todos inimputáveis. Tal determinismo convida a inação. Quem esgrime o argumento
determinista, porém, enaltece a prática do ativismo, contrária aos
determinismos. Coerência pode ser dolorosa.
A
irracionalidade erudita, descrita por Kuhn como a incomunicabilidade dos
paradigmas, com a concordância de Gastou Bachelard (1884 – 1962), que aludia
aos obstáculos epistemológicos, guarda relação com a crença arraigada nas
próprias referências teóricas, havidas como científicas. Karl Popper (1902 –
1994), porém, ressaltava que a ciência cresce corrigindo seus desacertos,
deixando de registrar que isso só acontece após a troca de gerações. Tivemos,
nas ciências da natureza, quatro modelos de átomos em apenas duzentos anos,
atestando a abundância de erros da coência e suas correções.
O
sentido subjetivo da ação voluntaria, ressaltado por Weber (1864 – 1920),
enseja aparência de virtude, conforme conselho de Maquiavel (1469 – 1527). A
percepção distorcida pelos obstáculos epistemológicos, pela incomunicabilidade
dos paradigmas e pelo prazer de sentir-se virtuoso (dizendo: espelho meu,
espelho meu, quem é mais virtuoso do que eu?), leva as ciências da cultura ao
ópio dos intelectuais de que falava Raymond Aron (1905 – 1983). A mistura de
juízo de valor e juízo de realidade, leva ao falso laicismo das religiões
políticas. O desprezo pela reserva do possível, sempre presente no voluntarismo
político, autentico concurso de virtude aparente, é sinal de recaída confessional
ou de demagogia.
A
elasticidade semântica de quem confunde social democracia com comunismo
escandaliza certos “virtuosos”. Mas confundir fascismo com liberalismo passa
desapercebido, embora liberais queiram limitar o poder do Estado, prezem as
liberdades individuais, repudiem a tese do conflito como motor da história, se
oponham às éticas teleológicas e não formem partidos de convicção, mas de
interesse. A agressão que transforma categorias teóricas em insultos guarda
relação com os obstáculos epistemológicos, com a incomunicabilidade dos
paradigmas, com a inocência instrumentalizada, com as táticas inescrupulosas de
campanha e com a hipocrisia de quem deseja parecer virtuoso ou ser admitido na
comunidade intelectual, aderindo à irracionalidade dos prisioneiros de
paradigmas, até para ser aprovado em concursos.
Fortaleza,
15 de outubro de 2018.
Rui
Martinho Rodrigues
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