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Vicente Alencar

terça-feira, 14 de maio de 2013

Feijão cru para matar ratos, verdade ou mentira


Feijão cru para matar ratos, verdade ou mentira

Jandir Sabedot
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Tem circulado na internet um e-mail ensinando um suposto “veneno ecológico” para matar ratos, que teria sido um método usado por criadores de pássaros para combater o os roedores e supostamente abalizado pela Universidade Federal de Pelotas/RS.

Pela receita largamente divulgada pela rede, utilizava-se uma xícara de qualquer feijão cru sem lavar, colocava-se em um multiprocessador ou liquidificador sem água e triturava até virar uma farofinha bem fininha, mas sem virar totalmente pó.

Em seguida deveriam ser colocados em montinhos na proporção de uma colher de chá, nos cantos próximos do chão, perto das portas, janelas e atrás de móveis e eletrodomésticos. Os ratos comeriam e não podendo digerir o feijão cru sofreriam um envenenamento natural por fermentação em até 3 dias. Segundo esses sites:

“Ao contrário dos tradicionais venenos (Racumim, por exemplo) o rato morre e não contamina animais de estimação e por sua vez morrem por terem comido o rato envenenado. E a quantidade de feijão que ele ingeriu e morreu é insuficiente para matar um cão ou gato, mesmo porque estes gostam de MATAR pra comer…mas morto eles não comem. Se tiver crianças pequenas (bebês) ainda em período de engatinhamento, que colocam tudo na boca, não faz mal algum, pois o feijão para o ser humano, mesmo cru é digerido. NÃO TEM CONTRA-INDICAÇÃO!”

Acontece que, apesar de eu mesmo ter recomendado algumas vezes esse “tratamento” para quem quer se livrar de ratos, pesquisando mais sobre isso na rede descobri que não é bem assim… Embora realmente funcione.
O feijão cru seria tóxico para qualquer ser vivo, inclusive humanos, dependendo da dose. O Dr. Constancio de Carvalho Neto, Médico Veterinário Sanitarista e especialista em controle de pragas alerta para o perigo de se usar essa receita caseira para quem quer se livrar dos ratos em casa:

“Provavelmente devido minha especialidade profissional, controle de pragas e vetores, tenho sido perguntado com frequência crescente (e preocupante) sobre o “inofensivo“ uso de feijão cru como raticida. Fatos e boatos circulam com velocidade espantosa através da Internet e esse possível “novo” uso para o humilde feijão nosso de cada dia, me tem sido inquirido quase que diariamente a partir dos mais diversos pontos de nosso país.

Feijão cru tem efeito raticida? 


Poderia ser usado inofensivamente para eliminar roedores sem qualquer risco para humanos ou outros animais?

É verdade ou é mentira?


Em 1994, portanto há 14 anos atrás, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas RS, FAEM / Depto. de Ciência e Tecnologia Agroindustrial, liderado pelo Prof. Pedro Antunes, publicou um trabalho científico onde analisaram quatro cultivares de feijão similares entre si comumente encontrados no comércio brasileiro (Rico 23, Pirata 1, Rosinha G2 e Carioca).

Os pesquisadores estudavam o valor nutricional desses cultivares e também os fatores antinutricionais como a antitripsina e a lectina (duas substâncias tóxicas existentes em todos os feijões).

Nesse ensaio, ratos brancos de laboratório (albinos da espécie Rattus norvegicus) foram submetidos a uma dieta exclusiva desses cultivares de feijão cru e os pesquisadores apresentaram suas conclusões. No entanto, todos os ratos do estudo morreram, aliás como seria de se esperar dada à presença daquelas substâncias tóxicas no feijão cru e que são neutralizadas durante o processo de cozimento, ao qual normalmente o feijão é submetido antes do consumo.

Muito recentemente, alguém leu esse trabalho e ao perceber que os ratos haviam morrido, imediatamente imaginou que o feijão poderia ser usado como um “raticida”. Pior que isso, esse alguém, sem nenhum conhecimento de causa, prontamente tachou esse “método” de seguro e sem risco, pois raciocinou que se nós humanos e outros animais comemos feijão e nada nos acontece de mal enquanto os ratos comem e morrem, estaria aí uma solução simples e barata para o eterno problema das infestações de roedores.

O Prof. Pedro Antunes inquirido sobre essa versão apócrifa que circula na forma de post na Internet, mostrou-se horrorizado com o desvio dado à sua pesquisa, segundo nos conta o Médico Veterinário Ricardo Mathias que o entrevistou, pois a intenção dos pesquisadores era o de demonstrar o efeito nocivo do feijão cru que desaparecia quando o feijão era cozido.

Os fatores antinutricionais existentes no feijão (também estão presentes em outras leguminosas como a soja), a antitripsina e a lectina, atuam de forma danosa em diferentes pontos do organismo, seja de um rato, seja de um cão ou seja mesmo de um ser humano podendo levar à morte na dependência da quantidade ingerida.

A antitripsina atua inibindo a formação de diversas enzimas que participam do processo de digestão nos mamíferos, incluindo a tripsina, as quais hidrolisam as proteínas que ingerimos transformando-as em aminoácidos, para que possam ser absorvidas pelo nosso organismo. Sua ação se dá ao nível do duodeno, a primeira porção de nosso intestino logo depois do estômago. A falta de tripsina provoca sérios problemas pancreáticos e mesmo pulmonares.

Já a lectina, simplificando, é uma proteína que, quando presente em mamíferos monogástricos (portanto excluem-se os bovinos, os caprinos, os ovinos, etc), provoca aglutinação das hemácias (formando pequenos coágulos) e assim provocando entupimentos de vasos de menor calibre. Ora, os tais ratos do experimento foram submetidos a uma dieta exclusiva e à vontade, constituída por feijão cru, onde estão presentes em altas concentrações essas proteínas danosas (antitripsina e lectina) de curso mortal para mamíferos monogástricos (que têm um só estômago). Só tinham que morrer mesmo!

E por que não sentimos nenhum problema quando comemos feijão? Porque no processo de cozimento do feijão, essas proteínas danosas são destruídas podendo restar bem pouco, não em quantidades suficientes para nos causar problemas. Contudo se ingeríssemos feijão cru, especialmente na forma de farinha, certamente sofreríamos o mesmo que se passou com os ratos do experimento.

De qualquer forma, posso usar feijão cru para matar ratos? A rigor, pode. Contudo haveria um primeiro grande problema a ser resolvido: convencer os ratos a comer feijão cru! Eles detestam, e têm muitas boas razões para isso! A Natureza os ensinou a evitar esse e outros grandes perigos. Por isso sobrevivem há tanto tempo. Outra questão importantíssima: o risco envolvido. É perigoso sim! Crianças poderiam por qualquer razão encontrar e ingerir esse feijão cru ou sua farinha! Cães e gatos igualmente não se deixam convencer a fazer do feijão cru um alimento, mas crianças…”

Além disso tudo, haveria o grande problema de que a morte dos ratos se dariam somente após 14 dias e assim mesmo se eles só comerem feijão moído – o que é raro para um roedor . Se deixarem de comer essa dieta ao longo desse tempo não morrerão.

Ou seja: Para mim o que fica dessa história toda é que para usar feijão cru como raticida deve-se ter as mesmas precauções que se usa ao manipular os venenos mais comuns, como o popular “chumbinho”; ao misturar a farinha moída com outros tipos de alimento que sejam atraentes aos ratos e ter muito, mas muito cuidado mesmo para que os animais domésticos e as crianças da casa, se existirem, não encontrem e não consumam, além de tentar impedir que os “ratos, malditos ratos!” (parafraseando o gato Chuvisco da antiga série animada Plic, Ploc & Chuvisco) comam outras coisas. Fazer isso ou não, como tudo o mais na vida, fica por sua conta e risco.
Fonte: Slow Video

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