Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Obrigado, governador

Obrigado, governador
Por Walter Hupsel | On The Rocks – qua, 19 de jun de 2013

Quarta-feira, 12, por volta da meia noite: Arnaldo Jabor compara uma manifestação contra o aumento das passagens de ônibus ao PCC. “Só vimos isso [um ódio tão violento contra a cidade] quando a organização criminosa de São Paulo queimou dezenas de ônibus”
Algumas hora depois, na quinta-feira, 13, começam a circular os jornais impressos.
Os editoriais dos dois principais jornais de São Paulo pediam, sem meias-palavras, que o governador Geraldo Alckmin agisse, com sua Policia Militar, para “retomar a Paulista” de “vândalos” que impedem o direito de ir-e-vir de milhões de paulistanos.
O Estadão pediu o máximo de rigor ao governador e à PM: “Espera-se que ele [o governador] passe dessas palavras aos atos e determine que a PM aja com o máximo rigor para conter a fúria dos manifestantes, antes que ela tome conta da cidade.”
Com tudo isso, Alckmin se sentia amparado. A opinião publicada não dava margem a dúvidas: era preciso retomar a cidade, a Avenida Paulista, como se ela houvesse sido perdida numa guerra urbana para “pseudorrevolucionários”. Era necessária força e determinação.
Não que precisasse, mas aqueles editoriais deram um alento, libertaram as amarras. A opinião publicada indicava, claramente e em uníssono, que não contestaria as versões oficiais, que publicaria salvo-condutos, que não abriria espaço ao contraditório.
Na quinta-feira de manhã, portanto, já estava bem arquitetado o que aconteceria nos jornais e telejornais do dia seguinte ao quarto protesto contra o aumento das passagens.
Assim, ciente da hegemonia, o governo de São Paulo agiu para “retomar a paulista”.
Uma declaração do Major da Policia Militar já antecipava: “Nos não nos responsabilizamos mais pelo que vai acontecer”
O que se seguiu foi a mais alta brutalidade que já vi, a barbárie desmascarada, nua, se mostrando por inteira nas fardas da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Os fatos, as imagens, falam por si.
A violência da PM, libertada das amarras, se fez presente desde a concentração no Teatro Municipal. Revistas arbitrárias, jornalista preso por portar vinagre, que é usado para diminuir os efeitos do gás lacrimogênio nas via aéreas, spray de pimenta distribuído ao bel prazer...
Ali já tava claro qual seria o papel das forças policiais. Iam cumprir à risca o que os editoriais, e o governador, pediram.
O que já era brutalidade virou barbárie quando a PM começou a atirar em manifestantes que estavam no chão. Ali, 19:10 da noite, no simbólico cruzamento da Consolação com a Maria Antônia.
A partir daí, São Paulo se transformou em praça de guerra de um exército só. A Polícia agia, estrategicamente, para dividir os manifestantes em pequenos grupos e encurralá-los, em fogo cruzado.
Não havia rota de fuga ou de dispersão possível. Para todo lugar que se olhasse, grupos de policiais avançavam sobre a multidão... e atirando. E jogando bombas. Há dezenas de vídeos disponíveis mostrando isso.
Um PM atirou contra uma janela de um prédio porque tinha alguém ali filmando. Outro quebrou o vidro de uma viatura pra poder culpar os manifestantes.
Resultado sabido e esperado: Centenas de manifestantes feridos, alguns gravemente. Há relatos de especial predileção por vítimas da imprensa. Para a PM, em um ato falho, seria o risco da profissão (notem que comparam os jornalistas presentes na manifestação com aqueles que cobrem guerras!)
Se o tom da opinião publicada era em claro desafio à constituição, que garante o livre direito à manifestação, e pedia a suspensão dos direitos pra “garantir a ordem”, ela foi prontamente atendida pelo poder público do estado de São Paulo.
Há duas hipóteses para a repressão brutal do protesto de quinta-feira: Ou falta de comando ou excesso dele. Seria muita ingenuidade acreditar que tantas bombas jogadas, tanta balas disparadas em direção a qualquer grupo, fosse apenas um “excesso” cometido por alguns policiais mal treinados.
De qualquer maneira, ambas as hipóteses requeriam uma atitude enérgica do governador de São Paulo, que se limitou a dizer que investigaria alguns excessos, individualizando a barbárie. Ninguém, por falta ou excesso de comando, repito, ninguém foi exonerado. Tudo com dantes...
Independente da pauta das manifestações, dos motivos pessoais, da insatisfação percebida nas ruas, a barbárie protagonizada pela PM inflamou as pessoas, deu novos motivos para irem às ruas. Mais de duzentas mil saíram às ruas na segunda-feira, 17 .
Aqueles veículos midiáticos que praticamente imploraram ao governador que garantisse a “ordem” suspendendo direitos, tiveram que voltar atrás.
Desde então, mesmo querendo dizer o que querem os manifestantes, querendo pautar os protestos, precisaram adotar um tom ameno, de apoio às manifestações.
Por estas e outras que digo: Obrigado, governador.

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