PREVÊ PARA PROVER
Nos primórdios da Admininstração
Científica houve uma grande tomada de consciência, por parte de gestores, da
necessidade de prever oportunidades e necessidades. Assim a provisão de meios
para suprir as primeiras e aproveitar as últimas se torna possível. Sucede,
todavia, que o passado é irrecuperável, o presente é fugidío e o futuro é
inescrutável. A margem de imprevisibilidade pode, todavia, ser reduzida.
Elaborar conjuntos de cenários possíveis e até prováveis pode orientar o
planejamento. O dia em que a terra parou, de Raul Seixas (1945 – 1989) não
estava entre os cenários de nenhum planejador no mundo. A surpresa, a gravidade
da pandemia e a nova divisão internacional do trabalho produziram uma tragédia
e desnudaram uma realidade negligenciada.
O Ministro da Saúde anunciou que 90% do
material de uso hospitalar, no mundo inteiro, é produzido na China. Grande
parte de insumos para a produção de fármacos procede da Índia. A dependência na
área de artigos ligados aos problemas de saúde seriam os únicos cuja produção
está tão concentrada geograficamente? Não. A indústria de eletrodomésticos, no
Brasil, anunciou recentemente, a iminente paralisação da produção por falta de
componentes fornecidos pela China, em razão das condições sanitárias da “Terra
do Meio”, por ocasião do anúncio. O mundo aceitou uma enorme dependência em
relação a um só país. A dependência será recíproca? Não. Os chineses dependem,
em certa medida, do acesso ao mercado ocidental. Mas em situações de emergência
fornecedores fazem mais falta do que consumidores. Registre-se, ainda, que a
economia chinesa já tem um mercado interno considerável. Não é tão dependente
de exportações.
A condição de maior fornecedor se soma à
de maior cliente de minérios, soja, milho, proteína animal entre outros bens. A
grande disponibilidade financeira dos chineses deu a Pequim a condição de
figurar entre os maiores investidores e fontes de créditos, se não for o maior.
Uma diplomacia que dispõe de tantos e tão valiosos trunfos é poderosa demais.
Nem precisaria de poder militar, se o mundo não passa sem os seus componentes
eletrônicos, material hospitalar e tantas outros ítens importantes, somados os
créditos e investimentos. Fica difícil resistir aos desejos de um gigante tão
poderoso.
Portugal e Grécia fizeram oposição, no
seio da União Europeia, a tentativa de erguer barreiras contra certas práticas
comerciais chinesesas. O representante português não fez segredo: Portugal foi
socorrido pela China quando precisou. A Grécia falida cedeu um porto aos
chineses e recebeu dinheiro. Sirilanca contraiu dívidas com a China. Não
podendo pagar, nem suportar as condições de refinanciamento, aceitou a
exigência do Credor: ceder um porto por 99 anos aos chineses, juntamente com
uma área em torno do porto. Algo semelhante ao que o imperialismo britânico fez
com a China no séc. XIX.
Como chegamos a uma
situação tão vulnerável? Os capitais do mundo empreenderam, com apetite
pantagruélico, a busca pelos “negócios da China”. O ocidente tornou-se pouco
atraente. Carga tributária, sindicalismo combativo e outras preocupações
afastaram os investidores. A China ofereceu a oportunidade de negócios sem
tantos obstáculos. O estoicismo dos orientais proporcionou uma baixa propensão
marginal ao consumo, conjugada com a propensão marginal a poupar elevada. O
ocidente, dominado pelo hedonismo, com elevada propensão ao consumo e baixa
propensão a poupar, contraiu dívidas difíceis de administrar. O declínio do
ocidente, vaticinado por Oswald Splengar (1880 – 1936), desponta como uma
possibilidade real e iminente, sem embargo da crítica que se pode fazer a
tendência política do historiador citado.
Fortaleza, 1/4/20.
Rui Martinho Rodrigues
Publicado no focus.jor
e no blog da ACLJ.
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