ESPERANÇA E APREENSÃO
Acontecimentos de grande impactos
provocam transformações. O coronavirus abalou o mundo. Surgem esperanças e
apreensões. Teremos um mundo mais solidário, mais proteção para os vulneráveis
e mais cooperação internacional? Ou mais dominação, neocolonialismo para conter
riscos transnacionais, mais clientelismo, mais poder para o Leviatã no vácuo
provocado pela falência de outras formas de organização? Contrariamente, haverá
a falência do Leviatã, a semelhança da queda do Império Romano? Poderes
particulares se fortalecerão, de modo diferente, mas comparável ao advento do
feudalismo?
O radicalmente novo é improvável.
Transformações convivem com a preservação de parte do que havia antes,
inclusive para se viabilizar, a exemplo Nova Economia Política de Vladimir
Ilitch Lênin (1870 – 1924). Transitoriedade e mudança andam juntas. A revolução
dos bichos, fábula de George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950), prometia
o nivelamento social da forma que para José D’Assunção Barros (1967 – vivo), na
obra “Igualdade e diferença”, seria igualdade de todos em tudo. O que fez,
porém, foi o que Barros designa como igualdade de alguns em tudo, privilegiando
os porcos. Transformações profundas e rápidas são revoluções. Começam como
libertárias e instituem mais repressão e oligarquias conforme Milovam Djilas
(1911 – 1995) denunciou na obra “A nova classe”. Castas dirigentes instituídas
por revoluções, ao modo da nomenklatura soviética e da monarquia hereditária da
Coreia do Norte, desnudam os descaminhos das revoluções e confirmam a lei de
ferro da oligarquia, de Robert Merton (1910 – 2003).
A esperança depositada
nos funcionários e políticos que pilotam o Estado é semelhante ao entusiasmo do
seus antípodas. A ilusão do fim da heteronomia, da coercibilidade do
ordenamento jurídico, para os que antegozam o desmoronamento do Estado,
conforme o anarquismo, é semelhante ao sonho dos estatólatras. Não esqueçamos,
todavia, que as mudanças poderão não ser tão profundas, nem permanentes ou
agradáveis e há lugar para temores.
Fortaleza, 8/4/20
Rui Martinho Rodrigues
Publicado no jornal O
Povo.
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