O
PÊNDULO DA HISTÓRIA E O NEOMEDIEVALISMO
Arnold
Toynbee (1889 – 1975) estudou mais de uma centena de civilizações e concluiu: a
história apresenta movimento pendular. Os incômodos de uma situação estimulam
mudanças. Esquecemos, porém, os inconvenientes da circunstância anterior e sentimos
os aborrecimentos da nova condição. Então dá-se a volta do pêndulo. Não como
repetição, mas como “neo ou pós alguma coisa”.
Na
Idade Média predominavam o poder local, a hegemonia do sagrado, o dogmatismo
sobre a liberdade de pensamento e a ênfase nos direitos de grupos específicos
em detrimento das universalidades. A modernidade fortaleceu o poder central com
o absolutismo, dessacralizou a cultura, abriu caminho à liberdade de
consciência, de expressão do pensamento e busca das universalidades, ao invés
de particularismos. Proclamou direitos universais fundados na razão. A
pós-modernidade retoma o particularismo dos direitos de grupos específicos. A
revanche do sagrado, evidente na retomada dos fundamentalismos, inclusive nas
religiões políticas, ameaça a liberdade de consciência e a livre expressão do
pensamento, com o argumento do politicamente correto. Contraditoriamente
relativizou a razão, sob a fluidez de uma diacronia voraz, enquanto institui uma
ortodoxia politicamente correta.
Estaríamos
a caminho de um “neomedievalismo”? A confessionalidade retorna com a revanche do
sagrado. A inquisição trocou a fogueira pelo assassinato de reputações. A
fragmentação substituiu as universalidades e enfatizou os direitos de grupos
específicos. O Estado Nação parece claudicar, seguindo a onda que tudo
fragmenta. A razão é contestada pelo relativismo cognitivo e axiológico
revigorados, chegando ao ceticismo, em contradição com a ortodoxia dos
fundamentalismos.
A
reintrodução da sacralidade e da ortodoxia, paradoxalmente de braços dados com
o ceticismo cognitivo e axiológico, somada a voracidade da fluidez que destrói
a razão e a estabilidade mínima das referências, introduz a anomia, invocando a
memória da queda do Império Romano, que levou à Idade Média. Família, escola,
igrejas, Estado sucumbem nas águas revoltas da fluidez pós-moderna. A
modernidade nos deu eleições como exigência de legitimidade do poder político;
isonomia perante a lei; garantias individuais e separação de poderes. Tudo isso
se encontra sob forte pressão. O Judiciário legisla positivamente, indo além do
controle concentrado de constitucionalidade que lhe permitiria legislar apenas
negativamente. O dito controle de constitucionalidade existe em razão da
rigidez constitucional. Mas se o STF reforma a Constituição a toda hora, em
nome da “interpretação conforme” ou da “mutação constitucional”, sob o
argumento de que é preciso adaptar o Direito às transformações históricas,
então o que temos é uma Constituição flexível, sob a qual o controle abstrato e
repressivo de constitucionalidade deixa de ter sentido.
A volta do pêndulo da
história parece ameaçar a democracia com um neofeudalismo cuja ortodoxia é dada
pelo ativismo de grupos agressivos.
Fortaleza, 13 de junho
de 2018.
Rui Martinho Rodrigues
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