O
STF solta presos? Não qualquer um. Nem os maiores empresários merecem o desvelo
do Pretório Excelso para com o garantismo penal. Só políticos de alto coturno,
o que trouxe desgaste. O desgaste do Judiciário, porém, tem um lado velho e
outro novo. O velho desgaste diz respeito aos presos que já cumpriram pena, que
não têm contra si sequer uma denúncia, delongas intermináveis, privilégios
injustificáveis e suspeitas de corrupção em todos os níveis do Poder em
comento. O novo é o do STF.
As
preciosas garantias democráticas que protegem o Judiciário; o suicídio moral
dos políticos; a Constituição analítica (minuciosa); programática (traça o
destino da sociedade); principiológica (subordina a clareza das normas da
espécie regra à vagueza dos princípios) e rígida (impõe dificuldades às
reformas); armada de controle de constitucionalidade concentrado (com efeito erga omnes), tudo isso ensejou a
judicialização da política e o seu corolário: a politização do Judiciário. Consiste
tal coisa em submeter à toga as decisões de natureza política, supostamente
para fazer justiça, alegando que as leis podem ser inconstitucionais (injustas
à luz dos princípios da Carta Política). Isso é controle concentrado de
constitucionalidade. O ordenamento jurídico é hierarquizado e tem materialidade,
não é apenas formal. Alega, ainda, a Nova Hermenêutica que precisa acompanhar
as transformações históricas e superar a impropriedade das normas genéricas em
face da singularidade dos casos concretos.
A
“interpretação conforme [o entendimento do STF]”, pela qual o texto legal nada
vale em face da Corte Constitucional; a vagueza dos princípios e a “mutação
constitucional”, pela qual o Judiciário declara que o significado do texto
escrito mudou, pois, a semântica das palavras sofreu transformação, fortalecem
a judicialização da política. A segurança dos jurisdicionados seria protegida
pela necessidade imposta ao magistrado de fundamentar a decisão.
A
Nova Hermenêutica está noventa e nove porcento certa, mas aquele um porcento
vagabundo é que faz sucesso, porque abre as portas à subjetividade das partes,
principalmente da autoridade. Não existe caso singular, “não há nada de novo
sob o sol” (Eclesiastes, 1;9 in fine). Tudo pode ser “fundamentado” pelo
contorcionismo hermenêutico. As transformações históricas tendem a exigir
mudanças no Direito, mas esta é uma tarefa do Legislativo. O STF não é um órgão
supletivo do Parlamento. Os legisladores se negam a fazer modificações no
ordenamento jurídico quando temem o eleitorado. Isso é veto tácito. A falta de
apoio do eleitorado desmente as alegadas transformações históricas. A usurpação
da função legislativa é presunção de “reis filósofos”, com evidente caráter
aristocrático. O controle concentrado de constitucionalidade não deve ir além
de legislar negativamente, excluindo normas inconstitucionais.
Aquele
um porcento vagabundo é a oportunidade de legislar positivamente e de
interpretar de modo claramente contrário ao sentido do texto. É o que está na
moda. Usa conceitos indeterminados, como equidade e justiça, abrindo espaço à
subjetividade da autoridade. Não consegue ocultar o que Nietzsche (1844 – 1900)
chamou de vontade de potência. Alegar que um Estado bandido pode fazer leis
iníquas contra as quais a Nova Hermenêutica armaria a mão dos juízes é ingenuidade
demais. Juízes não podem deter um Estado bandido.
Finda
a ilusão da revolução pelas armas, sem voto para fazê-la pela via democrática, vem
a tentativa de realiza-la pelo judiciário com a Nova Hermenêutica
Constitucional, com as constituições dirigentes, programáticas,
principiológicas e rígidas, coo o controle de constitucionalidade ao mesmo
tempo difuso e concentrado. Culpam Hans Kelsen (1881 – 1973), com a ênfase por
ele dada à positividade das leis, pelos abusos do nazismo, como se juízes, com
a Nova Hermenêutica, pudessem impedir os crimes de uma ditadura. Mas isso prejudica
a segurança dos jurisdicionados, desgasta o Judiciário e ameaça a democracia.
Porto
Alegre, 27 de junho de 2018.
Rui
Martinho Rodrigues.
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