A JUDICIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
As relações sociais
foram judicializadas pelo maior acesso ao Judiciário e pelo desprestigio dos
mediadores e árbitros costumeiros, como pais, parentes mais velhos, clérigos e
outros. A intolerância foi confundida com dignidade. A Carta Política analítica
e programática positivou os princípios gerais do Direitos, dando-lhes
abrangência universal, fagocitando todos os direitos, ameaçando abolir a
legislação infraconstitucional, entronizando o Judiciário como órgão legislativo
supremo. Princípios gozam de grande prestígio. Um homem ou uma doutrina sem
princípios nada valem. O “caso concreto” nunca é apreciado com justiça pela
generalidade da norma, dizem autores renomados. A interpretação sistemática,
teleológica, entre outras, são necessárias à realização do Direito, dizem eles
com razão nesta parte.
A argumentação é
poderosa e vem do primeiro mundo. Esquecem-se, todavia, os doutos autores que admitir
exigibilidade de normas programáticas é desafiar a reserva do possível; ao
invocar o “caso concreto” estão considerando a singularidade do mesmo
inalcançável pela norma. A sabedoria salomônica, porém, nos diz: “nada há de
novo debaixo do sol” (Eclesiastes, 1;9, in fine). O que não é inédito não tem
singularidade, pode ser alcançado pela norma genérica.
O poder dado à
autoridade seria mitigado pela obrigação de fundamentar os seus atos com
razoabilidade, proporcionalidade, equidade e justiça. Esquecem-se os festejados
autores que um pouco de contorcionismo hermenêutico pode “fundamentar” qualquer
coisa; razoabilidade, proporcionalidade, equidade e justiça são conceitos
indeterminados, abertos à subjetividade e ao arbítrio da autoridade e não há
justiça sem segurança jurídica. Nós precisamos saber o que é proibido, obrigatório
e deixado à livre negociação. Nada se sabe diante de conceitos indeterminados.
Cabe ao legislador explicitá-los. A Constituição não deve cercear tanto o
legislador ordinário sendo tão analítica, tão programática, o intérprete não
deve ser tão criativo e o STF não é um órgão supletivo do Congresso, para
legislar sobre o que o Parlamento não legisla. A rigidez constitucional e o
controle de constitucionalidade precisam existir, mas não podem impor à
sociedade caminhos minunciosamente detalhados, impostos pela maioria ocasional
do constituinte originário. É proveitosa a abrangência dos princípios
constitucionalizados, quando limitados às matérias constitucionais próprias,
pois contribuem, com a sua abrangência, para preencher as lacunas da lei, prestando-se
à integração do Direito.
Muitos enxergam os inconvenientes da
judicialização da política. Falta reconhecermos os inconvenientes da
judicialização das relações sociais. A publicização do Direito Privado afasta a
regra segundo a qual tudo o que não é proibido é permitido, substituindo-a pela
regra do Direito Público, que considera proibido tudo o que não é permitido
expressamente, aniquilando a liberdade negocial. O DNA do Direito civil
Constitucional é totalitário.
Fortaleza, 06 de junho de 2018.
Rui Martinho Rodrigues
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