Agradecimento pela homenagem no Dia do Orador e pela outorga da Medalha de Orador Modelo.
Saúdo as autoridades da mesa diretora dos trabalhos, na figura de Suzana Ribeiro, a centenária primeira dama da cultura cearense. Saúdo as demais personalidades que preenchem os recantos deste auditório que há pouco era apenas um sonho e hoje é uma agradável realidade.
Seria desnecessário dizer da honra de receber esta comenda, pois o seu significado transcende uma mera formalidade.
Agradeço a presença de familiares, Acadêmicos de várias Academias, de estudantes de alguns colégios, de membros do Rotary e da Maçonaria, de personalidades de outros estados e do exterior, representados pela historiadora Ingrid Schwamborn, e comitiva alemã, empresários, senhoras e senhores!
Quando celebramos a figura do orador, estamos homenageando também a palavra. O orador tão somente as retira do seu íntimo e as transforma em flechas que adentram mentes e corações para mudar o mundo.
Não são flechas comuns. Feitas com pensamentos, vão embebidas nas paixões humanas, com feitiços e poderes. Vejam o Cupido, se formos atingidos pela flechada daquele anjinho peralta, e ouvirmos algo como “eu te amo” da pessoa desejada, estamos perdidos. Logo seremos escravos!
Na Grécia antiga era comum, nas praças públicas, os grandes debates de oratória, onde titãs da eloquência porfiavam, em batalhas mortais, como se as palavras fossem armas de ataque e de defesa. Daí nasciam ídolos e se escolhiam os caminhos a serem percorridos pela nação. No campo internacional, gênios moldaram suas épocas pela capacidade de persuasão de cada um. Péricles, um homem simples, era dotado de tal poder de convencimento que o seu tempo, auge da democracia e da grandeza de Atenas, ficou conhecido como o século de Péricles. Alexandre Magno, discípulo do filósofo Aristóteles, foi ensinado a vencer pela espada e a consolidar o poder pela palavra. Assim conquistou todo o mundo conhecido da antiguidade. Júlio Cesar, o grande general romano, era tido pelo próprio Cícero, como o maior orador da sua época e a queda do grande império começou pela ausência da sua palavra, segura e respeitada. Nenhum grande da história foi pequeno na esgrima das palavras. Lembro a França e vem-me à mente Voltaire, quando proclamava: Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las. Recordo a Inglaterra na II Guerra Mundial, e lembro Winston Churchill, ao pedir aos ingleses que, como ele, quando necessário, estivessem prontos para dar ao seu país “sangue, suor e lágrimas”. A Alemanha foi hipnotizada pelas oratória de Hitler, num estilo gongórico e nacionalista. Terminou por ganhar as eleições e aprovar suas ideias em plebiscitos. Ou seja, antes das armas, Hitler venceu primeiro pelas palavras. Observo os reis, ditadores e falsos democratas, de ontem e de hoje, que são os discípulos, velhos e novos, de Maquiavel e de suas palavras, que ensinavam: “Os fins justificam os meios”. Dos Estados Unidos recordo John Kennedy, verberando: “Não perguntem o que a América pode fazer por vocês, mas o que vocês podem fazer pela América”. O Brasil, na realidade, iniciou a sua independencia com as palavras de Tiradentes, ditas com altivez, perante o cadafalso e a morte: “Se mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria pela libertação da minha Pátria”. Finalizando esta rápida seleção, digo que para entendermos a força do verbo, basta saber que o único homem que dividiu a história em antes e depois dele, Jesus Cristo, não tinha poder econômico, político ou militar. Só tinha a palavra!
Em nosso país tivemos sempre um celeiro de grandes oradores. Na época colonial, ressaltamos a figura do Padre Vieira, o apóstolo dos índios, cujo dia é comemorado hoje. No primeiro Império, destacamos Gonçalves Ledo, um dos pais da Independência; no segundo Império, Joaquim Nabuco, um dos patriarcas da Abolição da escravatura e, Silveira Martins, o orador esquecido, chamado o Sansão do Império e que após a queda da monarquia, tornou-se o líder da Revolução Federalista, que quase derrubou a República. Em Silveira Martins tudo era grandioso e colossal, havendo ele mesmo se autodefinido dizendo “...sou como o Jequitibá da floresta e o machado que me derrubar, haverá de ficar quebrado”. Considero-o um dos maiores oradores brasileiros, em todos os tempos.
A Republica fez brotar muitos artífices da palavra. Lembraremos alguns. Começamos por Rui Barbosa, o Águia de Haia e o guardião da Constituição brasileira. Depois, Epitácio Pessoa, o primeiro Presidente civil eleito, o homem que pacificou a Nação e que foi colocado, por sua oratória, entre os patriarcas da República. Também Coelho Neto, um gigante da nossa literatura, que possuia a mesma grandeza na tribuna, seja literária, seja política. João Neves, sobre ele registrou: o encanto da sua voz tinha o mistério das seduções e em seus lábios, palavras como Pátria, liberdade e poesia, possuíam sonoridades desconhecidas, que nunca ninguém conseguiu imitar. Embora devêssemos mencionar muitos outros, concluo com Carlos Lacerda, cuja oratória contundente superou a de todos os políticos brasileiros modernos. Suas palavras temidas eram como terremotos avassaladores, que destruíam as forças que a ele se opunham.
Desçamos agora o olhar sobre a nossa terra e a nossa gente. Primeiramente, sobre a Academia de Retórica, que hoje, dia do orador e dia do índio, aniversaria. Única do gênero no Brasil, mostra a vocação do Ceará para a arte da eloquência. Qualquer membro dessa entidade, portanto, e muitos outros cearenses fora dela, estariam aptos a receber o título que me é outorgado e pelo qual sou profundamente agradecido. Assim dizendo, mencionaremos, de passagem, alguns dos nossos grandes oradores aqui presentes, como referências dessa paixão pela palavra. É uma pena que a grande maioria deixará de ser mencionada, por questão de tempo e de protocolo.
Lembramos que o cearense, literariamente, é o único povo brasileiro filho de uma lenda. Contada por José de Alencar, devemos, orgulhosamente, preservar essa tradição que nos distingue dos demais estados do Brasil.
De acordo com a lenda, descendemos, entre outros, dos bravos Pitiguaras e Tabajaras, que habitavam este solo sagrado, antes da chegada dos guerreiros brancos, chamados cabelos do sol, ou guaraciabas, na língua Tupi.
Como hoje é o dia do índio, gostaríamos de fazer algo diferente e mesmo ousado. Recriar, numa prosa poética, a realidade presente, falando dos guerreiros que usam as palavras, a partir da lenda de Iracema, numa conexão entre a poesia e a realidade.
Imaginariamente, portanto, este auditório seria uma arena de competições, onde bravos têm cantado cânticos de guerra e hoje, no dia do índio, nela estaríamos participando de uma festa sagrada, com muitas tribos convidadas. Um distinguido pajé, chamado Vicente Alencar, descendente do autor da Lenda do Ceará, encaminhou os rituais, que se iniciaram com a fala do cacique da tribo da Retórica, Maurício Benevides, Corifeu dos Retores Cearenses e comandante do encontro. Tinha ele o porte de Rei, e era conhecido por sua vasta cultura, riqueza de vocabulário e voz poderosa. Estava sentado por trás da fogueira principal, atualmente substituída pela mesa moderna. Rodeava-o outros chefes, entre os quais um ilustre guerreiro, seu irmão, da tribo dos políticos, Mauro Benevides, anterior cacique da tribo do Congresso Brasileiro, onde também foi o cacique número dois do grupo de chefes que fizeram a Constituição atual, que rege as milhares de tribos da nação mãe, chamada Brasil. Logo após, o pagé convidou o segundo em prestígio no grande conselho: Neuzemar Gomes de Moraes, da gloriosa tribo dos advogados. Por entre sussurros e comentários todos sabiam que suas palavras seriam flechas ornadas de beleza e precisão, admiradas aquém e além mar, e que há pouco entoou um cântico tão forte e tão belo na nação Portuguesa, que o eco da sua cantoria foi ouvido nos dois continentes. Neuzemar falou em nome dos guerreiros presentes, homenageando o orador José Augusto Bezerra, da tribo dos bibliófilos, que agradeceu, do fundo do coração, a beleza do que foi dito e o troféu que lhe foi entregue, mencionando na sua mensagem que entre os bravos que entoam cânticos guerreiros, muitos deveriam ser homenageados por suas excelsas virtudes, porquanto o povo cearense é reconhecido por sua habilidade com as palavras, quer faladas, quer escritas. O homenageado destacou alguns desses bravos, presentes, começando por Juarez Leitão, da importante tribo dos professores, que, quando jovem, por entre as paredes silenciosas do secular Seminário de Sobral, descobriu uma botija com os segredos iniciáticos da oratória. Enriquecido pelo tesouro (a sabedoria), encontrado na botija, aprimorou lentamente sua arte, a tal ponto que suas palestras se tornaram também formidáveis atrações culturais. Inclusive nessa mesma arena de batalhas do torneio desta noite, já travou ele emocionantes pelejas e sua voz sempre rugiu forte como os trovões e cintilante como os relâmpagos das noites de chuvas do Ceará; Depois, o homenageado falou de Ubiratan Aguiar, atual cacique da tribo dos acadêmicos. A origem do nome Ubiratan, na língua Tupi, está ligada a força e bravura. Saiu da sua cidade do Cedro, na região dos índios Cariris. Extrapolou as fronteiras do Ceará e conquistou tudo na vida, unicamente com suas palavras maviosas, cuja doçura aprendeu ouvindo o cantar da juriti nas manhãs de inverno do nosso sertão; Tales de Sá Cavalcante, um dos caciques da tribo dos educadores. Famoso porque os rapazes e moças (curumins e cunhãs), que com ele aprendem, têm-se tornado vitoriosos em competições por todo o Brasil. Seu colégio, que coincidentemente aniversaria hoje, no dia do índio, criou uma disciplina para ensinar os alunos a usar as palavras certas, para, na batalha da vida, saírem triunfantes. Orienta-se por uma antiga tradição Tupy, pois Jean de Lery o primeiro viajante a escrever sobre os índios no Brasil, explica que os chefes dos nativos eram escolhidos entre os mais bem falantes, pois influenciavam os demais; Linhares Filho, um príncipe da tribo encantada dos poetas. Dizem que as palavras desse grupo são como o licor da jurema, mencionado por Alencar, capaz de produzir sonhos tão vivos e intensos, que as pessoas sentem as delícias das suas imaginações como se fossem realidades; Silvio Paiva, aqui presente, o grande mestre da tribo maçônica, cheia de mistérios e famosa por oradores revolucionários, que enfrentaram poderosos e implantaram regimes libertadores por todo o mundo. No Brasil, deu-nos o primeiro Imperador, o primeiro Presidente da República e idealistas imortais, como o Barão do Rio Branco, Patrono da Diplomacia Brasileira e José do Patrocínio, O Tigre da Abolição da Escravatura. Os maçons também reverenciam, com centenas de templos por todo o País, o Marechal Rondon, heróico protetor dos Índios brasileiros; Fernando Ximenes, decano da seleta tribo dos senhores da lei. Na tradição indígena esse grupo era formado pelo Venerando Conselho de Anciãos, cheio de sabedoria, que detinha a responsabilidade, tão necessária entre os humanos, de fazer justiça e manter o equilíbrio social. Há pouco, na grande taba do Instituto do Ceará, ao cantar a epopeia do surgimento daquele povo, Fernando Ximenes proferiu um Cântico que viverá nas memórias da chamada morada do Barão de Studart, um dos pioneiros da célebre tribo; finalmente, uma mulher, Adísia Sá, da importante tribo dos jornalistas. Sua voz ressoa como o búzio da nação dos Pitiguaras. Um canto de guerra ouvido nas batalhas, por entre choques e entrechoques de duros combates. Essa guerreira, pequena de corpo e gigante espiritualmente, tornou-se um mito. Símbolo da coragem e competência da mulher contemporânea, está inscrita, desde já, em vida, no panteão dos cearenses imortais.
Antes do pajé dar por findo o encontro dedicado a Tupã, o agraciado encerrou sua participação com a última frase da Lenda do Ceará. Disse que precisava recordá-la para nunca perdermos a humildade perante as vitórias da vida, porquanto as últimas palavras da nossa lenda lembram “que tudo passa sobre a terra”...
Finalmente, amigos e amigas, voltando à realidade e ainda dentro do prazo de 25 minutos que me foi disponibilizado, estamos terminando essa viagem que fizemos, juntos, no tempo e no espaço. E só pela palavra isso foi possível.
Em alguns momentos tivemos de inovar na forma de dizer, pois assim fez o poeta de Iracema. Procuramos valorizar o nosso passado, tão desconhecido, mormente dos estudantes, pois cremos que tal o pintor, que tira de dentro de si as cores para sua obra, o orador igualmente, como um artista, deve deixar com os ouvintes não apenas as suas palavras, mas, também, um pouco da sua alma!
Muito obrigado,
José Augusto Bezerra – 19/04/2018.
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