O SENTIDO DO PRESENTE
A tentativa de compreender o presente é
um trabalho de Hércules. Os desdobramentos dos fatos e atos presenciados ainda
se desenrolaram, dificultando a compreensão. Falta o necessário distanciamento
recomendado por Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), para que se compreenda o que é
observado. A convergência das crises sanitária, econômica, social, política,
moral e de referências culturais criaram uma complexidade que desafia o
entendimento do mundo. O rufar dos tambores de guerra no mar da China, na
Ucrânia, no Golfo Pérsico, na península da Coreia agravam preocupações. A velha
indagação sobre a possibilidade para superarmos os problemas que ela mesma cria
está posta.
Stephen Hawking (1942 – 2018) manifestou
temor de colapso da civilização, argumentando que sistemas muito complexos têm
mais probabilidades de colapsar. A Idade Média não representava uma ordem
social, política ou econômica tão complexa quanto a civilização global de hoje
e ainda assim desmoronou. Ciclos de nascimento, desenvolvimento e decadência
são uma forte tendência das civilizações constatadas por Arnold J. Toynbee
(1889 – 1975), em seus abalizados estudos. É possível especular elaborando os
mais diversos cenários, desde os mais desastrosos até os mais paradisíacos, partindo
da visão segundo a qual grandes problemas foram superados ao longo do tempo. A
ameaça de desastre pode funcionar conforme o brocardo segundo o qual a visão do
patíbulo clarifica a mente.
Referências culturais estão em crise;
especialistas, autoridades, instituições, imprensa, professores, clérigos e
pais desacreditados. Celebridades de idoneidade nem sempre confiáveis
tornaram-se referência. A revanche do sagrado (Leszek Kolakowski, 1927 – 2009)
convive com a secularização exacerbada. O declínio das elites e lideranças é
real. O abandono do rigor epistemológico enseja o relativismo cognitivo. O
relativismo axiológico estimula o hedonismo. O multiculturalismo do tipo
diferencialista fragiliza as relações entre os grupos da sociedade e estimula o
conflito. Abriram a caixa de Pandora. A esperança, todavia, permanece. O fruto
da ciência do bem e do mal, visto por alguns como libertação, revelou-se um
autêntico presente de grego.
A pós-modernidade, tão disruptiva quanto
o renascimento, guarda semelhança com o humanismo do fim da Idade Média e
início da modernidade também por não ter uma identidade filosófica, política ou
social, sendo apenas o momento em que uma hegemonia desmoronou e tendências que
até então permaneciam pouco divulgadas vieram à tona. O antropocentrismo e o
cosmocentrismo de humanismos distintos, secularização, rigor epistemológico,
avivamento do teocentrismo cristão e misticismo competiram. Até o domínio da
retórica, cujo desdobramento no Renascimento foi a volta de alguns sofistas nos
períodos seguintes, agora se repete com o arrimo de elaboradas teorias sociais,
políticas, psicológicas e gnosiológicas.
Não se trata do eterno
retorno dos gregos relatado por Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), mas de
condições que ensejam diferentes respostas. Admitindo que a história seja uma
estrada cheia de desafios cujas respostas cada época deve criar, a projeção dos
cenários possíveis pode ser favorável. O desenvolvimento da ciência e
tecnologia é uma esperança. O surgimento de novos problemas criados por cada
solução, porém, é um sinal de perigoso. Como o passado é irrecuperável, a
inocência perdida não se recupera. Traçar cenário para o porvir é uma ingrata
tarefa. O futuro é imprevisível. Conjecturas, embora necessárias ao
planejamento, têm uma margem de erro pouco animadora quando se trata de
fenômeno de grande complexidade. O presente, por sua vez, é fugidio. Logo,
estamos navegando às cegas.
Fortaleza, 18/4/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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