(DES)CAMINHOS POLÍTICOS
A palavra serviu por muito tempo para a repetição de ritos em torno dos quais se desenrolava a política. Por volta do século VIII a.C. ocorreu, entre os gregos, a libertação da palavra que, indo além da reprodução de fórmulas rituais, transformou-se em um instrumento de demonstração da conveniência e oportunidade das escolhas políticas fundadas na argumentação, com o arrimo de raciocínios demonstrados (Oliver Nay, 1968 – viva). A política deslocou-se para a praça pública, dando origem ao princípio da publicidade dos atos administrativos e judiciais. Força, paixão, interesses continuaram presentes, mas precisando buscar fundamentos na razão. Esta, porém, não é unívoca. Muda conforme as premissas adotadas. Razão, astúcia e “mistérios” (sobrenatural) se fazem presentes nos negócios da polis.
A hipótese de uma razão unívoca e universal encontrou amparo no cosmocentrismo. Leis universais regendo o cosmos e os fenômenos sociais, levando ao eterno retorno encontrado entre indianos, egípcios, pitagóricos e estoicos (Friedrich Nietzsche, 1844 – 1900), eram o arrimo de uma razão universal e unívoca. É possível vislumbrar uma das formas do Direito Natural no cosmocentrismo.
O concurso de ideias, todavia, descambou para a retórica e o relativismo dos sofistas. Dizendo que o homem é a medida de todas as coisas, Protágoras (481 a.C. – 411 a.C.) expressou o antropocentrismo e o relativismo. A astúcia ganhou força sobrepujando a razão e o “mistérios”. Talvez por isso Aristóteles (384 a.C. – 382 a.C.) tenha dito que a democracia decadente assume a forma de demagogia.
Destaca-se, entre as bases da política, o problema da anterioridade lógica e axiológica da pessoa em face da sociedade. O corolário da opção pela anterioridade da coletividade é a subsunção da pessoa aos ditames da polis. Os gregos sacrificavam crianças avaliadas, ao nascer, como deficientes. Era uma decisão consectária ao primado do interesse social. A primeira geração de direitos, na classificação de Norberto Bobbio (1909 – 2004), caracterizava-se por leis ditadas pelo chefe de governo, dirigindo-se aos súditos. Novamente temos a lógica baseada no primado da coletividade. Séculos depois Thomas Hobbes (1588 – 1670) expressaria com clareza esta ideia. Diria que o contrato social, ao instituir o Estado, era uma renúncia aos direitos civis dos cidadãos em troca da proteção do Leviatã.
A Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra, deu lugar a segunda geração de direitos, com os cidadãos ditando ordens aos governantes. Séculos antes houve, nesse sentido, a Magna Carta do rei João sem Terra, em 1215, limitando o Poder do Monarca. A revolução citada, do final do século XVII, consolidou a vertente do pensamento democrático segundo a qual a sociedade deve controlar o governo. Assim o é porque a premissa fundamental é a anterioridade da pessoa em face da coletividade.
O contratualismo de John Locke (1632 – 1704) concebe um acordo pelo qual a outorga concedida pelos cidadãos ao governo determina a subordinação deste aos cidadãos. Cada signatário do pacto seria motivado pela defesa dos interesses, valores e paixões, sem submete-los ao Leviatã. A Revolução Francesa pretendeu ser um governo de sábios ou esclarecidos corrigindo os erros da sociedade. Os direitos da pessoas desaparecem nas experiências históricas que seguem esse (des)caminho. Centenas de milhares de cabeças rolaram na guilhotina e as decantadas conquistas da Revolução Francesa não foram além do que foi feito um século antes na Inglaterra.
Fortaleza, 11/4/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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