Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O SUJEITO AUTOTÉLICO - Fortaleza, 29/10/20. Rui Martinho Rodrigues.

 

O SUJEITO AUTOTÉLICO

O sujeito autotélico (auto significando de si mesmo ou por si mesmo; telos compreendido como potencial ou objetivo imanente ao sujeito ou coisa na Filosofia de Aristóteles, 384 a.C – 322 a.C. também pode ser um fim supremo) tende a cair no solipsismo, entendimento que só reconhece o eu e as suas sensações. O resto não passa de impressões sem existência própria. O que significa por si mesmo e tem em si mesmo o seu fim supremo (autotélico) tende a ignorar a alteridade. A contenção destes fenômenos requer alguma compreensão da totalidade. Esta, porém, não se revela sem a radicalidade (não confundir com radicalismo) do conhecimento. Reconhecer a alteridade e a totalidade são requisitos da transcendência.

Totalidade, radicalidade e transcendência são os elementos constitutivos do fenômeno religioso, conforme Thomas O’Dea (nascimento e morte incógnitos), na “Sociologia da Religião”. Assim o é porque a reflexão científica só se aplica a objetos cognoscíveis bem demarcados e que possibilitem o falseamento ou verificabilidade do conhecimento produzido, conforme Karl Raymond Popper (1902 – 1994), na obra “A lógica da pesquisa científica”, como condição da validação transitória das proposições científicas. Objetos bem definidos e conhecimento válido apenas transitoriamente, porque falseável, não ensejam totalidade nem radicalidade. A ciência tenta responder como os fenômenos se passam. A radicalidade pergunta por que, referindo-se a causa primeira.

A universalidade do fenômeno religioso sugere que radicalidade e totalidade ensejam a transcendência e o reconhecimento da alteridade, necessárias ao processo civilizatório. Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 – 1857) imaginou o processo histórico regido por uma lei de três estados: teológico, metafísico e positivo. Pensou que o Iluminismo seria o começo do estado positivo. Desiludido, agiu conforme o que lhe parecia o estado metafísico, criou a religião da humanidade. Não percebeu que o cientificismo não atende a demanda por totalidade e radicalidade que viabilizam a transcendência. Estas ensejam o solipsismo tendente ao hedonismo e ao niilismo. Ambos causam erosão dos liames societários.

A condição humana busca uma identidade na alteridade, valendo-se do mimetismo orientado pelo outro (René Noel Theophile Girard, 1923 – 2015). Não há lugar para o mimetismo no sujeito autotélico. Solipsismo, hedonismo e niilismo afastam o mimetismo por não reconhecer a alteridade. Dependência química, criminalidade, depressão e suicídio têm algo de hedonista, niilista e autotélico.

Religiões seculares, rivais do positivismo de Comte, buscaram a radicalidade e a totalidade das explicações integrais divinizando a História, organizando agremiações políticas com espírito de igreja, adotando condutas de seitas cujos integrantes tratam uns aos outros como irmão, digo, camarada ou companheiro. Não falta a promessa messiânica do céu, mas na terra, um céu conquistado pelo homem, sem precisar de um salvador, que Michael Oackeshott (1901 – 1990), na obra “Sobre a História”, compara com a Torre de Babel. Utopias, porém, não toleram dissidentes, advertência de Isaiah Berlin (1909 – 1997), na obra “Limites da utopia”, degradando-se em distopias. Podemos acrescentar que a única utopia que diz com sinceridade o que faz com os dissidentes não é nenhuma religião secular, mas do tipo eclesiástico tradicional, que os envia para o inferno. A confusão de línguas entre “teólogos” e seguidores da “Torre de Babel” na pós-modernidade são fatores que produzem a perigosa exacerbação de ânimos em todo o mundo.

Fortaleza, 29/10/20.

Rui Martinho Rodrigues.

 

 

 

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