O
SUJEITO AUTOTÉLICO
O sujeito autotélico (auto significando
de si mesmo ou por si mesmo; telos compreendido como potencial ou objetivo
imanente ao sujeito ou coisa na Filosofia de Aristóteles, 384 a.C – 322 a.C. também
pode ser um fim supremo) tende a cair no solipsismo, entendimento que só
reconhece o eu e as suas sensações. O resto não passa de impressões sem
existência própria. O que significa por si mesmo e tem em si mesmo o seu fim
supremo (autotélico) tende a ignorar a alteridade. A contenção destes fenômenos
requer alguma compreensão da totalidade. Esta, porém, não se revela sem a
radicalidade (não confundir com radicalismo) do conhecimento. Reconhecer a
alteridade e a totalidade são requisitos da transcendência.
Totalidade, radicalidade e transcendência
são os elementos constitutivos do fenômeno religioso, conforme Thomas O’Dea
(nascimento e morte incógnitos), na “Sociologia da Religião”. Assim o é porque
a reflexão científica só se aplica a objetos cognoscíveis bem demarcados e que
possibilitem o falseamento ou verificabilidade do conhecimento produzido,
conforme Karl Raymond Popper (1902 – 1994), na obra “A lógica da pesquisa
científica”, como condição da validação transitória das proposições científicas.
Objetos bem definidos e conhecimento válido apenas transitoriamente, porque
falseável, não ensejam totalidade nem radicalidade. A ciência tenta responder
como os fenômenos se passam. A radicalidade pergunta por que, referindo-se a
causa primeira.
A universalidade do fenômeno religioso
sugere que radicalidade e totalidade ensejam a transcendência e o
reconhecimento da alteridade, necessárias ao processo civilizatório. Isidore
Auguste Marie François Xavier Comte (1798 – 1857) imaginou o processo histórico
regido por uma lei de três estados: teológico, metafísico e positivo. Pensou
que o Iluminismo seria o começo do estado positivo. Desiludido, agiu conforme o
que lhe parecia o estado metafísico, criou a religião da humanidade. Não
percebeu que o cientificismo não atende a demanda por totalidade e radicalidade
que viabilizam a transcendência. Estas ensejam o solipsismo tendente ao
hedonismo e ao niilismo. Ambos causam erosão dos liames societários.
A condição humana busca uma identidade
na alteridade, valendo-se do mimetismo orientado pelo outro (René Noel
Theophile Girard, 1923 – 2015). Não há lugar para o mimetismo no sujeito
autotélico. Solipsismo, hedonismo e niilismo afastam o mimetismo por não
reconhecer a alteridade. Dependência química, criminalidade, depressão e
suicídio têm algo de hedonista, niilista e autotélico.
Religiões seculares,
rivais do positivismo de Comte, buscaram a radicalidade e a totalidade das
explicações integrais divinizando a História, organizando agremiações políticas
com espírito de igreja, adotando condutas de seitas cujos integrantes tratam uns
aos outros como irmão, digo, camarada ou companheiro. Não falta a promessa
messiânica do céu, mas na terra, um céu conquistado pelo homem, sem precisar de
um salvador, que Michael Oackeshott (1901 – 1990), na obra “Sobre a História”,
compara com a Torre de Babel. Utopias, porém, não toleram dissidentes,
advertência de Isaiah Berlin (1909 – 1997), na obra “Limites da utopia”,
degradando-se em distopias. Podemos acrescentar que a única utopia que diz com
sinceridade o que faz com os dissidentes não é nenhuma religião secular, mas do
tipo eclesiástico tradicional, que os envia para o inferno. A confusão de
línguas entre “teólogos” e seguidores da “Torre de Babel” na pós-modernidade são
fatores que produzem a perigosa exacerbação de ânimos em todo o mundo.
Fortaleza, 29/10/20.
Rui Martinho Rodrigues.
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