A SOCIEDADE ABERTA
A grandeza e a
diversidade do mundo dificultam a compreensão das mudanças. Quanto maior ou
mais complexo o objeto mais raso e incerto o conhecimento sobre ele. A
civilização começou nos grupos primários, caracterizados pelas relações diretas
entre os membros, intimidade, afetividade, espontaneidade e cooperação direta
(Dicionário de Ciências Sociais, da FGV). O trabalho de cada um podia ser visto
por todos e consistia em atividade física. A organização resultou de tentativa
e erro corrigido, conforme Friedrich August von Hayek (1899 – 1992), sob o
sistema de parentesco (Claude Lévi-Strauss, 1908 – 2009), como uma pequena
ordem.
A pequena ordem
cresceu. Surgiram grupos secundários, relações indiretas, fragmentárias e
impessoais. A estes Hayek, na obra “Erros fatais do socialismo”, denominou
ordem ampliada espontânea, por não ser criada por algum gênio e por não ter um sistema
centralizado. Nela prevaleceram, por seleção natural, condutas que resultaram
em maior oferta de bens e serviços. Tais condutas nem sempre são atividades
físicas, visíveis, não seguem os padrões da pequena ordem originária e são
incompreendidas, classificadas como contrárias ao interesse social, pelo não
reconhecimento do trabalho distinto da atividade física e os seus benefícios
indiretos. A persistência de tal percepção lembra os resíduos e derivações de
Vilfredo Pareto (1848 – 1923) e são comparáveis à longa duração histórica de
que trata Fernand Braudel (1902 – 1985). Nascia a ordem ampliada espontânea (Hayek).
A amplitude do objeto é
inversamente proporcional ao conhecimento sobre ele. Entender a ordem ampliada
produz conhecimentos superficial e inconsistente (Imídio Giuseppe Nérici, “Introdução
à lógica”). Fórmulas definidoras do dever ser da sociedade fracassaram sempre
desde a tentativa de Platão (428/27 a.C. – 348/347 a.C.) em Siracusa.
Arrependido do que disse na obra “A República”, Platão escreveu “As leis”, mas
não foi bem recebido. O planejamento central não consegue articular todas as
variáveis da ordem ampliada, mas enseja a sensação de superioridade moral e
intelectual. Fracassa, mas é sedutor.
Há uma raiz atávica
animista em certas fórmulas “esclarecidas”. A personificação de entes como se
pessoa fossem, com um espírito, ao modo do animismo, é observada na categoria
classe social posta como fundamento maior da análise histórica e social,
considerada como unidade monolítica (Hayek). Classes consideradas segundo a
origem da renda seja capital ou trabalho (Karl Heinrich Marx, 1818 – 1883), como
se a sociedade fosse formada por duas partes monolíticas e personificadas,
burguesia e proletariado, lembram os resíduos e derivações de Pareto, relativamente
ao animismo.
A divisão dicotômica
oferece um prato cheio de oprimidos e injustiças a quem queira profligar o
mundo mal. A busca dos fatos considera a estratificação baseada na quantidade
de renda (posição no mercado, Karl Emil Maximilian Weber, 1864 – 1920), como nas
pesquisas eleitorais, dando lugar a diversas camadas de renda. Isso não é
classe, é camada! Então para que serve a origem da renda? Não explica nem venda
de sabonete. Grupos identitários, importantes como massa de manobra, não se
ajustam a estratificação dicotômica nem às camadas de renda. A estratificação
dicotômica, porém, continua entronizada como unidade fundamental de análise.
O
fetichismo do conceito (Luís de Gusmão, vivo) somado aos citados resíduos e
derivações, longa duração, incomunicabilidade dos paradigmas (Thomas Samuel Kuhn,
1922 – 1996) e aos obstáculos epistemológicos (Gaston Bachelard, 1884 – 1962) também
explicam o animismo residual remanescente da pequena ordem. A logomaquia dos
inimigos da sociedade aberta (Karl Raymond Popper, 1902 – 1994) também influencia
quem se coloca genuflexo ao ler autores consagrados. É preciso seguir Friedrich
Wilhelm Nietzsche (1844 – 1900): ria de todos os mestres.
Fortaleza,
26/11/20.
Rui
Martinho Rodrigues.
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