O ÓDIO DO BEM
Um assassinato nos EUA, que não foi
praticado por policial nem contra pessoa negra, não gerou protestos. O motivo
foi a posição política da vítima. O assassino era pessoa “do bem”, “antifascista”.
Bastou alguém gritar: tem aqui um fascista e seguiram-se os tiros fatais. A
indignação seletiva discrimina vítimas e motivações políticas dos agressores.
Defende boas causas, tolerância racial e o respeito (que é uma homenagem ao
mérito) por diferentes comportamentos.
Scott Raymond Adams diz que o animal
racional não é tão racional, mas guiado por emoções e filtros como o viés de
confirmação, arrostando dissonâncias cognitivas. Sigmund Schlomo Freud (1856 –
1939) atribuía as nossas ações aos designíos insondáveis do inconsciente.
Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996) denunciava a impermeabilidade dos paradigmas
aos argumentos da razão. Ser “do bem”, pregar tolerância e matar quem pensa diferente
é uma dissonância cognitiva.
O viés de confirmação leva o virtuoso
guardião da tolerância e das liberdades a matar quem comete pensar diferente,
satanizando o outro. Fascista é um dos adjetivos usados para criar monstros
contra quem o ódio é “do bem”. Quem defende liberdade de expressão, luta por um
estado mínimo e pretende descentralizar e desconcentrar a federação vira
fascista pelo viés de confirmação, embora fascismo seja o avesso de tudo isso.
A semântica das palavras é modificada
livremente, com as novas epistemologias invocando infraestruturas e
superestruturas econômicas, sociais, políticas e culturais impostas por
dominadores. Filosofia analítica, sociolinguística e algumas teorias de análise
de discurso convalidam o contorcionismo lógico e epistemológico do viés de
confirmação, “saneando” a dissonância cognitiva. Lucio Colletti (1924 – 2001) aludiu
à dialética como uma senhora de costumes cognoscitivos fáceis.
Fariseus conquistaram prestígio e
exerceram influência defendendo o que era tido como correto, defendendo as boas
obras às expensas dos outros. Expressar virtudes é tentador, principalmente
para quem sente desconforto consigo mesmo. Bandidos matam ou maltratam condenados
por estupro. São paixões inferiores travestidas de virtudes. Ladrões e homicidas
sentem-se reconfortados mostrando-se intolerantes e severos com os condenados
por certos crimes.
Distribuir a renda, propor tributos mais
pesados e expropriar propriedades, desde que sejam dos outros, fazem parte do
discurso virtuoso do viés de confirmação da autoimagem favorável. As
dissonâncias cognitivas ou contradições são contornadas por piruetas
epistemológicas e pela ética teleológica que em nome dos fins justifica meios
torpes.
O “esclarecimento” dos intelectuais
ungidos, assim nomeados por Thomas Sowell (1930 – vivo), miram-se na República,
onde os filósofos governavam. A retratação de Platão (428/427 A.C. – 348/347
A.C.), na obra “As leis”, dizendo que a República só seria adequada para anjos,
propondo algo mais realista, não é divulgada pelos ungidos. O iluminismo
retomou a ideia dos esclarecidos orientando governos. A Revolução Francesa foi
feita para instituir um Estado forte, ao gosto dos iluminados, que corrigisse
os erros da sociedade, pela “fraternidade da guilhotina”. José Guilherme Merquior
(1941 – 1991) denunciou as centenas de milhares de mortos “fraternalmente”
pelos corretíssimos jacobinos.
Karl Raymond Popper
(1902 – 1994) denunciou os inimigos da sociedade aberta e a logomaquia erudita
e inteligente dos que se apresentam como arautos do bem que justificam o ódio,
a intolerância e o dedo em riste, sempre acusando o outro e colocando-se como
vítima.
Fortaleza, 2/9/20.
Rui Martinho Rodrigues.
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