A INTERPRETAÇÃO DAS URNAS
Parafraseando Marc Leopold Benjamin
Bloch (1886 – 1944), podemos dizer que a História estuda a ação humana no
tempo. A busca do significado e do alcance da relação entre os atos, destes com
os fatos e os respectivos desdobramentos é a síntese do esforço hermenêutico de
compreensão da dimensão sociocultural da realidade.
As circunstâncias em que são praticadas
as condutas e ocorrem os fatos, no caso das eleições deste ano, têm na pandemia
um fato a relevante.
Campanhas eleitorais custam dinheiro. O estado de calamidade pública e as
verbas vultosas repassadas aos municípios e estados, sem dúvida, foram um fator
importante, cujo desdobramento foi a reeleição de prefeitos e a eleição de
apadrinhados por pelos
governos municipais e estaduais em grande número. Contrasta com 2.018, quando
não houve tanta verba usada descontroladamente no estado de calamidade pública.
O governo federal, quase totalmente excluído das ações diretamente ligadas ao
covid-19, pouco influenciou as eleições municipais. As urnas disseram que o
dinheiro, mais uma vez, foi importante.
O tempo durante o qual se deu a campanha
foi curto. Isso prejudicou os novos atores e favoreceu os veteranos,
principalmente aqueles que estavam na chefia do Poder Executivo dos municípios
e estados, que ganharam grande visibilidade. Governador e prefeito da capital
paulista foram presença constante nos meios de comunicação e obtiveram
resultado favorável. Celebridades não tiveram sucesso comparável ao de outras
eleições. Atletas e outros figuras públicas não foram eleitas. O tempo de
campanha e o foco do noticiário voltados para questões nacionais e
internacionais eclipsaram as eleições municipais. O público nem soube de
algumas candidaturas para as câmaras municipais, fator de grande influência,
dizem as urnas.
O distanciamento social, outro aspecto
ligado à pandemia, dificultou a campanha, prejudicando os novos postulantes e
favorecendo os veteranos, principalmente aqueles que apareciam nos noticiários
e eram discutidos nas redes sociais em razão dos cargos que ocupavam, como dito.
Além disso as máquinas governamentais dos municípios e estados mostraram força.
As urnas confirmaram a importância da visibilidade dos candidatos e das
máquinas governamentais.
As agremiações partidárias, durante as
campanhas, ajudam a instalar comitês eleitorais, recrutar ativistas pelos mais
diversos meios, têm contatos com as lideranças locais cuja importância é maior
em eleições municipais. Muitos partidos são relativamente novos, não são sequer
conhecidos do público e não têm presença junto ao eleitorado. As associações
políticas, cuja existência em grande parte consiste em ser um projeto de poder,
estão desgastadas pelos sucessivos escândalos. Algumas delas perderam muitas
prefeituras. O PT, exemplo de partido bem estruturado, não elegeu nenhum
prefeito de capital ou das cem maiores cidades do Brasil.
A importância de tais
organizações, todavia, se fez notar. O presidente da República, cuja
popularidade não é tão pequena, a despeito das polêmicas e do conflito com a
grande imprensa, não exerceu influência proporcional ao vigor da militância que
o apoia. Além de não ter partido e dos conflitos e polêmicas, o chefe do
Executivo federal hesitou. Entrou tarde na pugna. Colheu parcos resultados. Registre-se,
por fim, que eleições municipais têm peculiaridades distintas das eleições
estaduais e federais. São separadas dos demais certames e envolvem demandas
distintas, ligadas ao âmbito local.
Fortaleza, 17/11/20.
Rui Martinho Rodrigues.
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