AINDA
A SECA
Vivemos
mais um ano de um longo período de secas. Estamos em um semiárido situado nos
trópicos, circunstância agravante, única no mundo. Somos também o semiárido
densamente povoado. A elevada densidade demográfica agrava a vulnerabilidade às
irregularidades climáticas, problema resultante do sucesso no combate aos
efeitos das secas. A concentração populacional se deve, em grande parte, a ação
do DNOCS, construindo reservatórios que ofereceram água para o consumo humano e
animal, proteína animal do pescado e, em anos mais recentes, propiciando
irrigação.
A
crítica de estudiosos paulistas, que designaram ironicamente a construção de
reservatórios como “solução hidráulica”, criticando, ainda, equivocadamente as
“obras contra a seca”, propondo convivência com escassez de chuvas, ao invés de
combate ao fenômeno natural, não procede. A captação do precioso líquido não é
solução para todos os problemas. A água é indispensável a permanência da
população no sertão. Possibilita o abastecimento humano e animal. Não se abandona
uma providência por não ser uma solução para todos os problemas. Soluções
parciais são úteis e necessárias.
A
expressão “obras contra as secas” não significa combate ao fenômeno climático,
mas aos seus efeitos. Longas expressões são abreviadas com a supressão de
algumas palavras, sem perder o sentido para quem conhece o assunto. Assim é que
a expressão “de cujos”, usada em
direito das sucessões, não tem sentido para quem não sabe que originalmente
dizia-se “aquele de cuja sucessão se trata” (de cujos hereditate agitur); habeas corpus era “dá-me o direito e
tenha (ou ande com) o corpo”, foi reduzida simplesmente para “tenha o corpo”.
Não sabem os intelectuais ler o sentido lógico de “obras contra [os efeitos
d]as secas”?
A
densidade demográfica, embora represente um problema em face da aridez da
região, é um desafio decorrente de um êxito, que foi a oferta de condições para
a permanência da população no sertão, palavra que resulta da corruptela de
desertão. A caatinga é quase um deserto.
A
construção de novas barragens está chegando ao limite além do qual pode haver
deseconomia de água pelo represamento. O espelho dágua das represas amplia a
evaporação limitando o volume a ser represado na proporção do volume recebido
pelos reservatórios.
O
Castanhão, em quem depositaram-se todas as esperanças para o abastecimento da
Grande Fortaleza, de várias cidades e irrigação, está secando, apesar da enorme
capacidade de acumulação do açude aludido. Trata-se de um reservatório cuja
configuração é descrita como “prato”, por ter um grande espelho dágua em
relação a acumulação, fato que propicia grandes perdas por evaporação. Some-se
à configuração imprópria para um reservatório em região de grande insolação e
fortes ventos propiciadores de grande evaporação, à localização sobre uma falha
geológica e temos uma evidente falha de planejamento. Nem é preciso falar na
rachadura, pertencente à execução da obra, fato que certamente deixa as cidades
a jusante do açude insones, em anos chuvosos.
É
como penso, na condição de leigo na matéria.
Fortaleza,
27 de agosto de 2016
Rui
Martinho Rodrigues
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