OUTRA
VEZ A FICHA LIMPA
A
lei da ficha limpa volta ao debate. A sociedade está cansada de corrupção e da
criminalidade em geral. Há uma tendência para o recrudescimento dos meios de
repressão ao crime. Não se deve, todavia, imaginar que a exacerbação das penas,
a multiplicação de tipos penais, das hipóteses de presunção de culpa, ou a
transformação destas da categoria de relativas para a de absolutas sejam
solução.
O
efeito preventivo das sanções, no que concerne à prevenção primária, voltada
para quem nunca transgrediu, tem eficácia quando existe a certeza da aplicação
das penas cominadas na lei penal. Não há relação entre a severidade da sanção e
a eficácia da prevenção primária.
A
prevenção secundária, voltada para quem já delinquiu, é de eficácia baixíssima
ou inexistente.
Restringir
garantias, flexibilizar normas para permitir maior eficácia no combate ao crime
é um erro. Fragiliza a condição de quem não transgrede, mas pouco ou nenhum
alcance tem em face do delinquente astucioso. Quem planeja o crime encontra
formas de burlar a eficácia da persecução penal. Quem age de boa-fé pode se
enredar nas malhas das leis exageradamente repressivas.
A
lei da ficha limpa expressa a justa indignação em face da impunidade. Mas aplicar
pena de restrição de direitos antes do trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, retirando do réu a capacidade eleitoral passiva, fere duas
garantias constitucionais: cassa o direito de escolha do eleitor decidir sobre
o próprio voto e restringe direito de ser votado, de quem não foi condenado
definitivamente. Erra ao tenta corrigir a procrastinação dos processos restringindo
direitos do réu, ferido na sua capacidade eleitoral passiva. Erra por não
cominar sanções contra as chicanas e não exigir a duração razoável dos
processos, já positivada em nosso ordenamento jurídico. Sob o manto da
moralização está o desprezo pela soberania do voto popular e o descrédito
elitista dos nossos legisladores e formadores de opinião.
Outro
engano é tentar resolver os problemas políticos, tais como o deplorável
comércio de votos e tantos outros vícios, transferindo as decisões de natureza
representativa para o Judiciário.
Não
há mais virtude na toga do que na política, que é o homem médio representado.
Desde a Grécia Antiga grandes sábios apresentam graves falhas de caráter. É uma
contradição reconhecermos tais falhas e idealizarmos os togados e os doutos em
geral como superiores. Estamos judicializando a política e, ipso facto, politizando o judiciário.
Juízes falastrões, nas mais altas cortes, francamente politizados,
partidarizando decisões, dividindo os tribunais em bancadas governistas e
oposicionistas demonstram a gravidade do erro.
A
lei é falsa até no nome: não é ficha limpa, mas ficha suja. Esconde o nome sob
o pseudônimo para ocultar a violação da presunção de inocência. Não foi feita
por legisladores de pileque, como quer um dos supremos ministros boquirrotos e
partidários. Foi pensada sob a passionalidade dos torquemadas e a dissimulação
dos fariseus.
Fortaleza,
21 de agosto de 2016
Rui
Martinho Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário