Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

terça-feira, 23 de agosto de 2016

OUTRA VEZ A FICHA LIMPA - Rui Martinho Rodrigues

OUTRA VEZ A FICHA LIMPA

A lei da ficha limpa volta ao debate. A sociedade está cansada de corrupção e da criminalidade em geral. Há uma tendência para o recrudescimento dos meios de repressão ao crime. Não se deve, todavia, imaginar que a exacerbação das penas, a multiplicação de tipos penais, das hipóteses de presunção de culpa, ou a transformação destas da categoria de relativas para a de absolutas sejam solução.
O efeito preventivo das sanções, no que concerne à prevenção primária, voltada para quem nunca transgrediu, tem eficácia quando existe a certeza da aplicação das penas cominadas na lei penal. Não há relação entre a severidade da sanção e a eficácia da prevenção primária.
A prevenção secundária, voltada para quem já delinquiu, é de eficácia baixíssima ou inexistente.
Restringir garantias, flexibilizar normas para permitir maior eficácia no combate ao crime é um erro. Fragiliza a condição de quem não transgrede, mas pouco ou nenhum alcance tem em face do delinquente astucioso. Quem planeja o crime encontra formas de burlar a eficácia da persecução penal. Quem age de boa-fé pode se enredar nas malhas das leis exageradamente repressivas.
A lei da ficha limpa expressa a justa indignação em face da impunidade. Mas aplicar pena de restrição de direitos antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, retirando do réu a capacidade eleitoral passiva, fere duas garantias constitucionais: cassa o direito de escolha do eleitor decidir sobre o próprio voto e restringe direito de ser votado, de quem não foi condenado definitivamente. Erra ao tenta corrigir a procrastinação dos processos restringindo direitos do réu, ferido na sua capacidade eleitoral passiva. Erra por não cominar sanções contra as chicanas e não exigir a duração razoável dos processos, já positivada em nosso ordenamento jurídico. Sob o manto da moralização está o desprezo pela soberania do voto popular e o descrédito elitista dos nossos legisladores e formadores de opinião.
Outro engano é tentar resolver os problemas políticos, tais como o deplorável comércio de votos e tantos outros vícios, transferindo as decisões de natureza representativa para o Judiciário.
Não há mais virtude na toga do que na política, que é o homem médio representado. Desde a Grécia Antiga grandes sábios apresentam graves falhas de caráter. É uma contradição reconhecermos tais falhas e idealizarmos os togados e os doutos em geral como superiores. Estamos judicializando a política e, ipso facto, politizando o judiciário. Juízes falastrões, nas mais altas cortes, francamente politizados, partidarizando decisões, dividindo os tribunais em bancadas governistas e oposicionistas demonstram a gravidade do erro.
A lei é falsa até no nome: não é ficha limpa, mas ficha suja. Esconde o nome sob o pseudônimo para ocultar a violação da presunção de inocência. Não foi feita por legisladores de pileque, como quer um dos supremos ministros boquirrotos e partidários. Foi pensada sob a passionalidade dos torquemadas e a dissimulação dos fariseus.
Fortaleza, 21 de agosto de 2016
Rui Martinho Rodrigues

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