Uma pretensa contribuição ao seu grupo de correspondentes, desde já autorizado o compartilhamento do texto a seguir.
Professor Rui,
Diante de meus 17 anos de escola venho escrever a respeito de vídeos que circulam na internet alertando sobre os perigos que a escola representa quando é conduzida como aparelho ideológico, culminando com o debate sobre o “absurdo” ou a “grande ideia” do movimento “Escola sem Partido”. As discussões sobre "escola sem partido", escola "aparelhada pela esquerda" e até a base curricular nacional não estão levando em consideração alguns aspectos que são caros para o "debate". As aspas são por conta de que parece que um lado está falando em "vaca" e o outro está respondendo sobre "o boi deitado" (desculpe a metáfora, é de minha terra, Jaguaruana). A seguir, elencarei situações que precisam ser pontuadas para que nuances sejam percebidas sobre esta instituição tão peculiar, a escola. Inicialmente colocarei que via de regra Marx não é lido, inclusive por alguns defensores da teoria (como se fosse apenas uma teoria que esse autor escreveu). É impressionante como um autor clássico, com uma obra extensa e influente é pouco lido e, especialmente, pouco relacionado com outros autores anteriores, tratando o marxismo como algo quase autogerado. Uma das bases do pensamento marxista, a crítica dialética, já tinha bases lançadas por Kant, Hume e, especialmente, Hegel, que foi reduzido pelos autores ditos marxistas como “idealista”. Essa forma de tratar a teoria marxista, como feita e acabada em si mesma é tão ruim, que “esquece” que Marx foi hegeliano. Quando aparece a palavra “esquecer”, lembro de Mary Douglas, que em seu livro “Como as Instituições Pensam” destaca que as instituições “esquecem” e “lembram” de maneira muitas vezes arbitrária e de acordo com interesses imediatos (no sentido de despossuir mediação lógica). Na mesma questão da falta de leitura ou de uma leitura interesseira de Marx, como “esquecer” que o tal método crítico dialético, não é um método analítico com fim em si mesmo? Se ele é dialético, logo, deve percorrer as condições materiais, ideológicas e sociais de seu tempo e espaço. Quando é verificado que os nomes adotados por Marx e Engels (suas categorias) ainda são utilizadas pelos seus seguidores, sem que estes sequer tenham a noção do alemão ou ao menos do inglês, realmente se percebe o baixo nível dos estudantes da teoria e dos professores (alguns até doutores) que a arrogam dominantes. Ainda usam "burguesia", "operário", "proletário" com tanta naturalidade que os pobres arrogantes não percebem que estão tratando com categorias criadas em um período de poucas fontes históricas e sociologia e antropologia incipientes. Algo em particular me chama a atenção, que é uma tentativa de colocar que a crítica materialista marxista é a verdadeira. Não! Claro que não... Marx não inventou a análise do contraditório social, tampouco iniciou o debate sobre exploração e desigualdade, e, até hoje (sou esculachado entre meus colegas das "humanas" por esta opinião) ninguém utilizou esta ferramenta melhor do que Durkheim, Locke e Rousseau. E onde está Comte? Sim, Comte! Como os intelectuais (inclusive os críticos do marxismo) "esquecem" de Comte? Seu livro "Reorganizar a Sociedade" é um primor de teoria, de crítica ao Iluminismo e à inutilidade das "ciências da Sociedade" diante das "Ciências da Natureza", estas, segundo ele, em estágio "positivo". Com base em meu cotidiano, venho fazer eu mesmo uma provocação do contraditório: diante de todos os movimentos que estão vislumbrando “melhorar”, “intervir”, “privatizar”, “tirar a criticidade” da escola, não vi ainda algum que admita que o professor faz o que quer em sala de aula, independente de LDB, Constituição, PPP ou regimento. Nas escolas privadas, que estou há 17 anos é assim, apesar das amarras das provas. O momento em que se fecha a porta e se encontram alunos, docente e pincel, quase nunca é permeado por convicções que não sejam as dos docentes. Nesse momento fazem-se pregações de “direita”, “esquerda”, religiosas de todo tipo, apologia a drogas, ao sexo, exemplos de superação inspiradores e até venda de produtos. Destarte, a base nacional, o escola sem partido ou qualquer movimento que venha impor ou contribuir para uma sala de aula com mais conteúdos e menos ideologia barata, sem análise ou permeada por interesses partidários, que criam aparelhamentos, batizados de teoria de gênero, raça, sem-terra e outros, vão esbarrar nos professores, que não são cobrados sobre suas ações tecnicamente pelos seus superiores. A base técnica da SEDUC é sucateada e uma piada para a categoria. O professor não responde, às vezes, nem ao gestor mais próximo, que é o diretor em escolas públicas. Quando digo isso, já sei das consequências de meus pares, dizendo que defendo a censura, mas não ligo. Além de meu tempo de escola privada, tenho 10 de escola pública: quatro como temporário e seis como efetivo. Os professores da escola pública lutam para colocarem seus filhos na particular via de regra. Os professores de "exatas" são bem mais claros, muitas vezes fazendo auto análise, afirmando que vivemos em greve e faltamos muito na escola pública. Temos, então, alguns teoricamente mais afastados da teoria com argumentos bem mais críticos e realistas. Muitos dos das "humanas" não explicam porque a "revolução" que pregam na escola pública não atingirão seus filhos, que estão matriculados na "educação burguesa". Por fim, vejo que muitas pessoas dentro deste debate, estão ampliando demais o poder que a escola tem sobre seu público. Na escola há, sim, um fetiche pelos ideais de esquerda, acentuados a partir do Ensino Fundamental II. Mas isso fará do Brasil um país marxista? Não mesmo, ao contrário, os professores de História que eram chamados de "críticos" e pregavam a igualdade, quando encontram alunos seus na vida adulta, já com emprego, vivendo seus filhos e educando os mesmos, viram caricaturas de si mesmos. Onde muitos estão vendo perigo, vejo ridículo. Muitos ex-discentes meus hoje com seus 30 anos de idade ou mais brincam com colegas meus, que eram "revolucionários de carro importado", ou então, sem a ironia, hipócritas. Acreditar que faremos um país de marxistas por conta do ensino escolar é crer que a escola tem um papel maior do que realmente tem. Desde as séries mais básicas é ensinado a colocar lixo na lixeira e a respeitar o próximo. Por que estes ensinamentos básicos e cotidianos são ignorados e o marxismo vai ser apreendido nas escolas? Há de se ter cuidado com essa contradição, pois se não se ensina as quatro operações matemáticas (como a escola é acusada por seus usuários e até constituintes), como seria justamente o marxismo a única coisa ensinada com esmero, e, além disso que seria o motor da derrocada de um país? A escola “prende” um jovem quatro horas por dia, mas fora dela há o pai, o crime, as igrejas, os amigos, o shopping, a TV, o sexo... A Universidade consegue recrutar mais gente para essa causa sem sentido (a revolução) do que a escola, há décadas, desde o último período militar, e a sociedade dita capitalista só se amplia, de modo tão sofisticado, que a "revolução socialista" é forma de se ganhar dinheiro, vide "movimentos sociais" financiados por dinheiro público, sustentando ONGs, advogados, empresários da ideologia, mas que não mudam a estrutura de poder no país, e que não revolucionam nada, a não ser contas bancárias, outrora vazias.
Abraço professor.
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