A ATUALIDADE DA DEMOCRACIA
A
dimensão territorial e demográfica é obstáculo para a democracia? Na Grécia
antiga, em cidades pequenas, excluídos menores, mulheres, estrangeiros e
escravos, reuniam-se os cidadãos e decidiam problemas comuns. Valia mais a oratória
que a razoabilidade.
A
democracia era direta, mas passou a ser indireta. Não reúne a população para
decidir. Nomeiam-se representantes para este fim, os quais legislam com
fundamento em juízo de valor, que têm natureza política. A função legislativa,
por ser fundada em valores, não exige concurso público. A conformidade das
condutas em relação às leis é juízo de realidade. Exige concurso ou notório
saber jurídico, por ser técnico. Cabe ao judiciário.
Na
política, representantes distanciam-se dos representados. Mas a solução não é
transferir a atividade legiferante para a magistratura. A falta de
representatividade do parlamento está no particularismo de interesses, degenerando
em desvio de finalidade. A representação de valores, contudo, permanece: é a conexão
eleitoral. Deputados não votam contra os valores populares; não
descriminalizaram o aborto; não legislaram sobre casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Agiram assim mas para não perder votos. Isso é democracia; é
prevalência da vontade popular; é representatividade. A infidelidade está nos
interesses, não nos valores. Interesses são complexos. Nem todos sabem como
defendê-los. Valores são convicções, nivelam a todos pelo não saber socrático:
só sei que nada sei, e nem bem disso sei.
Não
devemos confundir os juízos de fato, amparados na ciência, com as convicções
axiológicas. Por isso os doutos não são mais sábios que o homem médio. Intelectuais
erram muito. Técnicos altamente qualificados, operando nas bolsas de valores, podem
seguir irracionalmente o efeito manada. A comunidade científica nunca entendeu
uma ideia radicalmente inovadora. Galileu não conseguiu se fazer entender pelos
mestres. Giordano Bruno acabou na fogueira. Pasteur por pouco não foi
trancafiado num hospício. Freud foi expulso do Conselho de Medicina. As
bobagens lombrosianas seduziram os doutos.
A
história da ciência é um cemitério de equívocos. Max Planck disse: a Física só avança
quando morre uma geração de físicos. Acrescente-se: porque não conseguem
entender uma ideia radicalmente nova. A racionalidade não impera de modo
indiscutível. O PT cometeu graves erros, sendo a agremiação dos intelectuais e
dos clérigos, demonstrando que nem o intelectualismo nem o moralismo farisaico
sinalizam superioridade moral ou clarividência.
Intelectuais
tendem a agir como rebanho. Seguem o modelo do dia: realismo, romantismo,
modernismo. O engajamento afasta o senso crítico, enseja erros grosseiros, como
as doutrinas citadas. Acumular no STF as funções judicante e legiferante é um
erro. Os magistrados têm a mesma falibilidade dos parlamentares, sem ter a
representação política. Democracia não é só votar. É também segurança jurídica.
O povo não entende as questões técnicas, tais como o modelo tributário ou
matriz energética. Mas precisa saber o que é permitido ou proibido e qual é a
pena para o proibido: eis o coração da democracia.
Quando
o STF muda o significado indiscutível do que está escrito, não temos segurança
jurídica. O direito positivo diz com toda clareza: é ilegítimo prender antes do
trânsito em julgado de sentença condenatória. Fere as garantias fundamentais que
o STF diga o contrário, salvo quando presentes os pressupostos da prisão cautelar.
Fortaleza,
05/08/16
Rui
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