Publicado em 01/04/2013 - 9:23 por Roberto Moreira | Comentar
Categorias: Política
O distinto jornalista Roberto Moreira, editor deste Blog, solicitou-me fazer uma análise consubstancial sobre o papel do Açude Castanhão tendo em vista o quadro de incertezas face à seca que o Estado do Ceará está enfrentado no seu segundo ano consecutivo. Como toda a comunidade cearense sabe a discussão em torno da construção do Açude Castanhão (à sombra dos interesses da poderosa Construtora Andrade Gutierrez) durou mais de quinze anos, a partir do ano de 1985 quando ele surgiu, pela primeira vez, no cenário técnico do Estado do Ceará. Digo “surgiu” porque até aquele ano, ao contrário do marketing dos seus promotores e defensores nunca se havia falado na construção da referida obra. Não havia, portanto, menção a essa barragem nem nas publicações do DNOCS e muito menos nas da SUDENE (Estudos de Base do Vale do Rio Jaguaribe – doze volumes). Os seus promotores e defensores diziam que o referido açude iria resolver “definitivamente”, o problema da seca em todo o Estado do Ceará, que não iria faltar mais água em nenhuma região deste Estado. O Castanhão, afirmavam, era o “pulmão” do Projeto do Rio São Francisco e outras e aleivosias próprias de um forte marketing formado em cima desse empreendimento. Houve um distinto Conselheiro no COEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente), favorável à obra, que chegou ao cúmulo do absurdo de dizer que o Açude Castanhão “iria resolver não só o problema da falta de água no Ceará, como de todo o Nordeste”. Outro Conselheiro, em seguida, ironizou: “Não só do Nordeste, do Brasil e do Mundo”.
O referido açude foi construído a jusante (abaixo) do Açude Orós que na seca de 1991 a 1993 foi quem, de fato, salvou a cidade de Fortaleza e de sua Região Metropolitana do caos, graças à construção do Canal do Trabalhador pelo então Governador Ciro Gomes. Afirmo que o Açude Castanhão na seca atual, se ainda não existisse, a Região Metropolitana de Fortaleza seria atendida pelo Açude Orós como ocorreu no ano de 1993. Além do Açude Orós, que a esta altura está com mais de 67% de sua capacidade total de acumulação de água, ainda teria como garantia o Açude Banabuiú que está com cerca de 45% de sua capacidade. Portanto, não procede a afirmação de que Fortaleza está sendo “salva” graças ao Açude Castanhão que nestes dez anos de construído, a bem da verdade, ainda não foi requisitado para os objetivos para os quais ele foi preconizado, apesar da propaganda em contrário dos seus antigos seguidores e defensores que dele se utilizam para promoções pessoais.
A minha tese era que o Açude Castanhão poderia ser construído com 1,2 bilhão de metros cúbicos como parte de um conjunto 10 a 12 barragens de médio porte distribuídas espacialmente em todo o Vale do Rio Jaguaribe. Ele seria um deles. Mas optou-se, por razões que desconheço, nem quero aqui entrar neste mérito, por construir esse reservatório pontual com 6,7 bilhões de metros cúbicos numa região que já era perenizada (pasmem!) pelos Açudes Orós e Banabuiú. Eu dizia, inclusive, que este planejamento, que não era meu, mas do DNOCS, iria “democratizar a água”. É como se todas as disponibilidades hídricas do vale do Rio Jaguaribe fossem localizadas num só ponto, a apenas 150 quilômetros do mar, praticamente no litoral onde não há seca, pois que todas as cidades do litoral cearense estão fora do estado de emergência decretado pelo Governo Estadual. Entretanto, há regiões no próprio vale do Rio Jaguaribe, que dentro de dois meses, se não chover, não terão mais uma gota de água para abastecer a sua população. Eu, como cidadão, fiz a minha parte. Antevi tudo o que poderia acontecer. Agora é tarde, Inês é morta. O jeito é tentar conviver com este erro histórico de engenharia extraindo do Açude Castanhão os diminutos benefícios que aquela barragem ainda pode oferecer. No mais, se isso serve de consolo, ficamos com um gigantesco e belo monumento de engenharia podendo até mesmo ser explorado para fins turísticos.
P.S.- Confesso-me indignado, e posso afirmar que os defensores do Açude Castanhão não fazem jus ao diploma que receberam da Escola de Engenharia onde estudaram. Por essas e muitas outras razões, que não cabem aqui elencar, aquele açude foi condenado, por unanimidade, pelo Tribunal da Água, com sede em Copenhagen, quando realizado, à época, em Florianópolis, Santa Catarina. Como ex-técnico do DNOCS fico com a consciência tranquila porque tive a oportunidade de registrar e preconizar tudo relativo a esse empreendimento no livro “A Face Oculta da Barragem do Castanhão – Em Defesa da Engenharia Nacional”, editado em 1999. Ou seja, tudo o que foi dito naquela publicação está se confirmando dez anos depois que a referida obra foi concluída.
Cássio Borges
Engenheiro civil, ex-Diretor Regional do DNOCS e de sua Diretoria de Estudos e Projetos
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