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Vicente Alencar

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

GUERRAS NA CIÊNCIA - Fortaleza, 31/12/20. Rui Martinho Rodrigues.

 GUERRAS NA CIÊNCIA

Há quem fale em nome da ciência como um conhecimento pacífico. É argumento de autoridade usado até por quem defende o perspectivismo e o relativismo. O professor Paulo Elpídio de Menezes aludiu ironicamente a uma descolonização de Pitágoras (570/571 a. C. – 500/490 a. C), a propósito do movimento de descolonização dos saberes, até da Matemática. O pensador grego é um nome que contrasta a relativização, pela via do engajamento, de um conhecimento consistente e universalista.

A ciência nunca foi inteiramente unívoca e indubitável. A última corrente que validava prova como certificado inquestionável do conhecimento foi o neopositivismo, positivismo lógico ou empirismo lógico do círculo de Viena, coordenado por Moritz Schlick (1882 – 1936), ex-aluno de Max Karl Ernest Planck (1858 – 1947), entre 1922 e 1936, que influenciou a Filosofia da Ciência. Teve o verificacionismo como eixo de suas cogitações. Foi refutado por Karl Raymond Popper, o coveiro do neopositivismo.

Popper não rompeu com o racionalismo. Ressaltou que verificações são tentativas de falsear uma tese. Caso consigam destruí-la temos uma prova negativa, única modalidade segura de verificação. Basta que uma teoria fracasse uma vez para que perca credibilidade. Caso sobreviva ao falseamento a tese será válida provisoriamente, até que outra verificação a destrua. A ciência, em quase tudo, não tem conhecimento definitivo e pacífico.

Existem alguns conhecimentos pacíficos e universais. A proposição segundo a qual sendo A>B; e B>C, então A>C é universal, indubitável e atemporal. Teorias são diferentes de constatações. Saberes concernentes a objetos materiais ensejam conhecimentos diversos dos pertinentes a objetos abstratos. A distinção entre conhecimento sensível e suprassensível (Platão, 428 a.C – 347 a.C.) já reconhecia diferenças de consistência entre saberes. Não é preciso invocar ciência, Filosofia, senso comum, ideologia e Teologia. Estamos tratando apenas de ciência. Distinguir ciências da natureza daquelas havidas como ciências da cultura, sociais, humanas ou históricas é imprescindível. As primeiras podem repetir o esforço de falseamento (teste ou verificação). As últimas não podem fazer o mesmo. Não é possível repetir a Revolução Francesa ou a hiperinflação brasileira para avaliar teorias sobre elas.

A discussão sobre a “descolonização” das ciências guarda relação com o debate sobre neutralidade axiológica. Karl Emil Maximilian Weber (1864 – 1920) separou juízo de valor de juízo de realidade, de fato ou de existência. O primeiro diz respeito ao objeto cognoscente ser categorizado como bem ou mal, belo ou feio. O segundo diz respeito a existência de fato do objeto referido.

Guerras não são novidade na comunidade científica. Galileu Galilei (1564 – 1642) protagonizou a mais famosa delas, com os colegas da Universidade de Florença, um dos quais logo se tornaria papa. Louis Pasteur (1822 – 1895), com a Teoria Microbiana, travou uma guerra com a Teoria dos Miasmas. Max Planck, com a Teoria Quântica, enfrentou os mais renomados físicos. Até Albert Einstein (1879 – 1955) resistiu a Teoria de Planck. Quando não tinha mais argumento alegou que Deus não joga dados.

Invocar a ciência pode ser desonestidade intelectual ou ingenuidade, tentativa de legitimar o que não tem legitimidade; de imputar ignorância ou preconceito desqualificando o outro. Argumento de autoridade afasta o exame crítico. Quem se posta genuflexo diante da autoridade renuncia ao exercício das próprias razões. Pode ser um ato de humildade consciente. Quando sugerido por outro, porém, é impostura. Invocar aspectos da ciência incompreensíveis para o grande público, em nome de uma suposta ciência monolítica é falso. Filósofos que invocaram a ciência foram flagrados pelo físico Jean Bricmont (1952) e pelo matemático Alan Sokal (1955 – vivo) cometendo graves erros sobre o que diz a comunidade científica. Alegaram que faziam uso apenas metafórico da ciência. Mas não faz sentido tal uso afirmando coisas que a ciência não diz; nem usar os tropos da linguagem citando algo mais hermético para explicar o que é mais simples.

Invocar aspectos da ciência desconhecidos do grande público, legitimando proposições polêmicas, lembra o conhecimento do homem que falava javanês, conto de Afonso Henriques de Lima Barreto (1881 – 1922). O físico e o matemático citados lembram a chegada do marinheiro javanês na cidade. Os filósofos, porém, não se esconderam envergonhados. Defenderam-se alegando uso figurado do idioma que ninguém conhecia.

Pandemia e problemas econômicos são alguns dos campos nos quais o uso indevido da cientificidade é praticado. O discurso ideológico se apresenta como ciência. O engajamento político das universidades e o ativismo da imprensa confundem o público quanto ao que seja ciência. O STF, cujos ministros agem como déspotas esclarecidos, promovem uma mudança cultural forçada e a apologia de concepções ideológicas como se fossem saber superior e virtude ética.

Fortaleza, 31/12/20.

Rui Martinho Rodrigues.


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