O VOTO FACULTATIVO
O voto facultativo volta ao debate. As
cogitações sobre o tema envolvem a legitimidade da obrigação de votar sob a ordem
democrática; direito comparado; o sentido do voto de quem não quer se
pronunciar; a representatividade do sufrágio por obrigação; e o efeito do voto
obrigatório sobre a participação dos cidadãos na política. É uma preocupação
recorrente. Afeta valores e interesses. É relevante. Resta saber quais valores
e interesses fomentam a controvérsia.
A lei que tem origem no devido processo
legislativo, em tese, gera obrigação legítima. Não há o que discutir. No caso
específico da obrigação de votar frequentemente o direito comparado é lembrado.
Países mais “avançados”, democracias modelares não obrigam os cidadãos a votar.
Mas o que é um país “mais avançado”? É aquele em que tudo é certo ou é melhor
que nos atrasados? Quem elogia o nosso Sistema Único de Saúde (SUS) e o nosso
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lembra que países “mais avançados” elogia
instituições nossas, considerando-as “mais avançadas” do que as de alguns
países desenvolvidos. Pode ser que algo do primeiro mundo não seja superior. “Mais
avançado” não é um pacote fechado contendo somente coisas superiores.
O direito comparado é uma fonte preciosa
de sabedoria. Mas não significa que se deva transplantar por inteiro, para o
Brasil, institutos de algum ordenamento jurídico havido como “mais avançado”. O
que seja tal coisa tem abrigo na concepção de história linear, na qual a
sucessão temporal indica melhor qualidade. Supõe uma história progressiva sem a
sinuosidade de avanços e recuos, sem a heterogeneidade, diferente de um
amálgama de coisas melhores e piores. A história assim compreendida seria uma
marcha triunfal, para frente e para o alto, concebida a partir das reflexões de
Aurélio Agostinho de Hipona (354 d. C. – 430 d. C.), que na obra “A cidade de
Deus” expressa a visão de uma marcha da humanidade para convivência social
segundo um modelo divino. Os corifeus do determinismo histórico diziam: a
história não recua. Regimes criados por revoluções eram superiores, quando mais
não fosse, por serem mais novos. Geladeiras, automóveis e aviões mais novos são
realmente mais avançados. O modelo tecnológico era assim transplantado para o
Direito, a política, a economia, a educação, a sociedade. Até que regimes
criados por revoluções decepcionaram de modo a impossibilitar a prática daquilo
que Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996), na obra “A estrutura das revoluções
científicas”, nomeou como “vacina contra a realidade”, hoje negacionismo ou
pós-verdade. A história recua? Então o que é “mais avançado”?
Qual é o sentido do voto de quem não quer
se pronunciar? É representativo e relevante? Pode representar insatisfação com
partidos, líderes e jogo político definido pelo ordenamento jurídico, seja pelo
voto em branco ou anulo. É relevante. Representa parcela significativa dos
eleitores.
O voto obrigatório pode
contribuir para o despertar da cidadania. O voto facultativo poderá afastar os
desesperançados com partidos, líderes, instituições do exercício da cidadania.
Quais valores e interesses se beneficiam do voto voluntário? Valores
democráticos não são lesionados por obrigações legais, nem beneficiados pela
desmotivação política que poderá resultar da extinção da obrigação de votar. Vaqueiros
da boiada cidadã, que tangem o gado dos movimentos sectários, serão favorecidos.
Eleitores arrebanhados não deixarão de votar. Mercadores do voto também serão
beneficiados. Cobrar pelo voto será mais tentador.
Fortaleza, 11/1/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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