Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

A RESILIÊNCIA DO ÓBVIO ENGANOSO Fortaleza, 21/9/20. Rui Martinho Rodrigues.

 A RESILIÊNCIA DO ÓBVIO ENGANOSO

A polêmica entre empirismo e racionalismo é multimilenar e inconclusa.

Ambas as tradições têm alguns argumentos bons e fragilidades. Toda teoria tem alguma

aporia. Karl Raymond Popper (1902 – 1994) propôs como solução o racionalismo

crítico para superar o dogmatismo formalista do neopositivismo, empirismo lógico ou

princípio da verificação. Este tentava estabelecer conhecimentos definitivos somando as

falibilidades da razão e da observação.


A solução tentada por Popper substituiu o conceito de prova pela validade

transitória, enquanto uma nova verificação não chega para infirmá-la. É a concepção do

saber científico processual, sem escorregar para a logomaquia do relativismo, da

perspectividade e do contextualismo epistemológicos. Popper exige que as proposições

ofereçam algum ponto de apoio que possa ser submetido ao exame crítico, designando

tal exigência como falsificabilidade ou falseabilidade.


O senso comum é mais estável que a ciência. A Teoria Atômica adotou

quatro versões entre modelo de John Dalton (1766 – 1844), apresentado em 1808;

substituído em 1898 pela concepção de Joseph John Thomson (1846 – 1940); sucedido

em 1911 pela teoria apresentada por Ernest Rutherford (1871 – 1837); reformada em

1913 por Niels Henrik David Bohr (1885 – 1962). Isto é, em apenas cento e cinco anos

a ciência mudou quatro vezes a teoria atômica.


O senso comum, porém, demonstra grande estabilidade, sem que isso

signifique consistência. Ainda que as palavras e expressões não signifiquem adesão ao

empirismo ingênuo, o hábito triunfa sinalizando a facilidade de comunicação dada pelo

uso consagrado e amparado pela tradição. Aristarco (310/320 a. C. – 250/230 a. C.)

demonstrou que o sol era o centro do nosso sistema planetário. Cláudio Ptolomeu,

(70/100 – 168) assumiu a autoria do heliocentrismo, não sabemos se conhecia bem o

estudo da Aristarco, do qual só restaram algumas referências em obras de outros

pensadores. Mas decorridos vinte e quatro séculos continuamos dizendo que o sol se

levanta e se põe, óbvio enganoso, principal crítica do racionalismo ao empirismo.

Ciências da natureza, embora não tratem de finalidades, motivações,

paixões e interesses, têm dificuldade de compreender o mundo. Suas formulações são

instáveis, embora concebidas por autores geniais. Política, Direito e ciências que têm

por objeto a cultura enfrentam dificuldades muito maiores. Os conhecimentos por elas

formulados são ainda mais precários. Mas suas formulações são mais resilientes. Têm a


força do erro amparado na convicção. O viés de confirmação, a incomunicabilidade dos

paradigmas (Thomas Samuel Kuhn, 1922 – 1996) e o obstáculo epistemológico do

conhecimento anterior (Gaston Bachelard 1884 – 1962) são mais fortes quando o objeto

cognoscível e o sujeito cognoscente se deparam com interesses e paixões. As ciências

sociais tendem a prescrever algum tipo de dever, ao invés de descrever e explicar o que

a realidade é. Dever ser não se subordina a falseabilidade, ao princípio da validade

transitória e nem sequer ao verificacionismo. O dever ser convida à exibição de

virtudes, sem a reserva do possível ou a demonstração da viabilidade ou do sacrifício

necessário a sua realização. Os resíduos e derivações (Vilfredo Pareto, 1848 – 1923) do

pensamento medieval estimulam ideias supostamente virtuosas, favoráveis ao

farisaísmo. Demagogia é a arte de conduzir o povo, manipular e agradar. É como

Aristóteles (385 a.C – 323 a.C) via a decadência da democracia.


Fortaleza, 21/9/20.

Rui Martinho Rodrigues.

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