A NOVA ROUPAGEM DO COLONIALISMO
Os gregos concebiam a marcha da humanidade como um eterno retorno.
Salomão (990 a.C. – 930 a. C.) disse que “o que foi tornará a ser, o que foi feito se fará
novamente; não há nada de novo sob o sol”. A história militar ressalta o uso das
mesmas rotas de invasão em sucessivas guerras. O exemplo mais conhecido é a
passagem pela Bélgica, nas duas guerras mundiais, do exército alemão rumo a França.
Agostinho de Hipona (354 – 430) concebeu a sucessão de acontecimentos históricos
como uma marcha evolutiva com um epílogo triunfal na forma da cidade de Deus. Karl
Heinrich Marx (1818 – 1883), na obra “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”,
expressou um entendimento diferente: disse que a história não se repete, exceto como
tragédia ou como farsa.
A história como sucessão de fatos (terremotos, secas) e atos (conduta
humana), e como interpretação dos nexos e desdobramentos dos ditos atos e fatos,
conforme José Honório Rodrigues (1913 – 1987), na obra “Teoria da História do
Brasil”, certamente ensejam e constituem, respectivamente, narrativas comparáveis às
diversas espécies do gênero drama (tragédia, comédia, farsa, auto); ou do gênero épico,
que celebra feitos memoráveis em forma de poema, romance ou novela. Permitam-me
explicar. Certas circunstâncias dificultam a compreensão até do óbvio. Gêneros são
conjuntos que reúnem diferentes espécies agregadas por algum aspecto comum. O
colonialismo foi apresentado como “O fardo do homem branco”, título do poema de
Rudyard Kipling (1865 – 1936), no qual o autor apresenta a “missão civilizadora” do
imperialismo e adverte sobre os custos do empreendimento, ao tratar da conquista das
Filipinas, que os EUA tomaram dos espanhóis.
O neocolonialismo pode ser descrito pelas várias espécies dos gêneros
drama e épico. A “missão civilizadora” assume a forma de salvação do planeta. Mais
urgente do que civilizar é evitar a extinção da vida. A discussão sobre florestas, oceanos
e indústrias é a nova versão do colonialismo. A indústria encontra-se, em sua maioria,
na Ásia: China, Japão, Índia, Coreia do Sul. Agregando-se à indústria asiática as
fábricas ocidentais do hemisfério norte, EUA, Rússia, Alemanha e outros temos quase
toda a produção industrial do mundo. Mas a “preocupação” é com o Brasil. Vegetais
podem gerar um pequeno saldo positivo na produção de oxigênio, comparado ao
dióxido de carbono que produzem em todo o planeta. Os grandes incêndios em todo o
mundo deveriam preocupar, mas o hemisfério norte não é alvo da missão civilizadora.
Oceanos, fonte principal do oxigênio, deveriam preocupar mais do que florestas, mas
não são território a ser “salvo pela missão civilizadora”.
De repente, não mais que de repente (Marcus Vinicius de Morais, 1913 –
1980), o Brasil é o novo “fardo do homem branco” empenhado em salvar Amazônia,
por coincidência rica em minérios. É mais barato comprar do que tomar. Sempre
levaram tudo da citada região. Declarações de líderes de grandes potências sobre
“soberania compartilhada” e “patrimônio da humanidade” sempre pareceram demagogia
dirigida aos seus eleitores. Agora preocupam. Líderes se tornam prisioneiros da retórica.
Aventura militar pode render votos. As nossas defesas são frágeis. Possibilitam uma
intervenção internacional para “salvar o planeta” a baixo custo. Como no Iraque e nos
Balcãs, ficaríamos impedidos de voar. Os brasileiros estão divididos. Comunicação por
satélite seria silenciada e as cadeias de comando interrompidas. A Ásia está em vias de
ser subtraída da influência ocidental pela China. Problemas internos das grandes
potências tornaram-se graves. Uma intervenção fácil, barata, pelo nobre motivo de
salvar o planeta pode ser tornar oportuna.
Fortaleza, 30/9/20.
Rui Martinho Rodrigues.
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