O
FACTÓIDE JURÍDICO
O
Judiciário desorientou-se. O recente episódio do TRF/4 é o exemplo mais notório
dos descaminhos da magistratura. Um juiz, em um plantão, decidiu
monocraticamente de forma inusitada. Podemos dizer: a decisão foi esdrúxula por
encontrar-se além da competência do plantão. Certo. Seria suficiente. Poderia,
ainda, alegar que uma decisão monocrática não poderia prevalecer contra um
colegiado do mesmo grau de jurisdição (a oitava turma do TRF/4), nem contra
tribunais hierarquicamente superiores ao magistrado que assim decidiu, conforme
pronunciamentos de desembargadores do TRF/4, de ministra do STJ e uma centena
de integrante do MP e da magistratura.
Pode-se,
todavia, analisar outro aspecto: os fatores que levaram ao descaminho do
Judiciário. Uma análise não conflita com a outra. Nem se trata de estabelecer
uma relevância maior ou menor para cada uma delas. O ovo da serpente não está
nas competências dos plantonistas. A origem do mal é meta-jurídica. O
aparelhamento ideológico do aparato estatal – e do Judiciário em particular –
está, ao lado de outros fatores, na origem do mal. Mas este aspecto tem sido
muito analisado. A exacerbação dos ânimos políticos, aos quais a dimensão
humana dos juízes não é imune, é outro fator, também muito visível.
Menos
discutido são os efeitos da Nova Hermenêutica Constitucional e do
neoconstitucionalismo, fenômenos ligados à pós-modernidade, que só são
discutidos pelos juristas. Historiadores, sociólogos e outros analistas da
crise em curso não tratam do assunto. Mas a sociedade precisa ser advertida do
que está acontecendo. Um juiz singular, durante um plantão, não ousaria expedir
uma ordem teratológica, não fosse a anterioridade cronológica e lógica de
certos fenômenos.
A
doutrina dominante trocou a subsunção do fato à norma pela argumentação, nos
termos da zetética. Negou a justeza da generalidade da norma. Elegeu a suposta
singularidade do caso concreto como objeto do Direito. Substituiu a aplicação
da lei pela concreção que leva da abstração da norma ao fato supostamente
singular. Optou por conceitos indeterminados, positivados nas constituições
contemporâneas, confiando ao juiz a tarefa de valorar os fatos, usurpando a
função legislativa. A norma ficou no limbo. Isso é pós-modernidade. É
relativismo. Troca a supremacia da lei pelo “senso de justiça” dos magistrados.
É voluntarismo. A ética subjacente ao aspecto legal é relativizada. É partidarização.
A obrigação de fundamentar, como proteção contra o arbítrio, o partidarismo e a
corrupção, é argumento risível. A Constituição programática, analítica e rígida
e o controle de constitucionalidade difuso e concentrado judicializaram a
política. A politização e partidarização são consequências. O jusnaturalismo
agora invocado é o clássico. Não passa de um arrimo para a argumentação posta
acima da lei, o sonho dos sofistas.
Divergências
são naturais. Os confrontos entre ministros do STF são outra coisa. Expressam o
que descrevemos. É uma deturpação das garantias do Judiciário. Daí até
contaminar toda a magistratura é apenas um passo. Mas tudo começou no
magistério e na constituinte.
Porto
Alegre, 11/7/18.
Rui
Martinho Rodrigues
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