Sempre me fascina observar o comportamento dos indivíduos que
atuam para grandes plateias. Certamente que não acolho aqui os solos
interpretativos de artistas em palco, mas sim, em tempo de futebol, aos
jogadores em ação na Rússia.
Devo sublinhar que pouco entendo das técnicas, ou de firulas
processuais do jogo. Sou um tricolor que aprendeu a amar seu time a partir da
sede de Álvaro Chaves. Nelson Rodrigues, de quem sempre procurava ficar ao lado
nos treinos das Laranjeiras, me disse que a magia se fazia no campo uma solitária
vez, o momento sagrado do gol.
De fato, este é o momento da ligação canônica do espanto com
o assombro, da culminância com o arrebatamento. E muito mais me disse Mestre
Nelson, cuja sabedoria haveria de endossar o que quero impetuosamente declarar
agora: o Neymar não foi apenas o melhor jogador desta seleção. Ele pode, sim, dar-se o luxo de criar uma
“persona”, ou seja, atuar em campo, um ator a urrar de dor como um personagem de
Shakespeare, a rolar-se ao chão como um contorcionista de Molière.
Que chore, que grite, que se vire e revire. Mas – eis o
clarão, eis a essência que tudo justifica e permite – que faça gol. Que engane
e drible malandramente o opositor ao seu encalço, mas que chute para a trave. E
que faça de seus pés o canhão a disparar o petardo.
O gol é único momento de redenção de um jogo aparentemente
idiota em que 22 atletas arduamente treinados e muitíssimos bem pagos cortejam
uma bolinha banal, como apregoou o poeta Pablo Neruda em possível estado de mau
humor (no Maracanã, ao lado de Vinicius de Moraes).
Portanto, meus caros, encareço, mesmo com
o Brasil já fora da
Copa , a solidariedade de vocês
para a adoção irrestrita ao Craque Nacional. Não importa que Neymar tivesse
estado um tanto irregular aqui ou acolá na Rússia. Pouco se me dá que ele insista
em seu teatrinho quando projetado ao chão. O fato é que ele é capaz da
essência, a de produzir o clarão.
Antes da atuação de Neymar contra o México, sua taxa de
aprovação no twitter teria baixado a 66%, empatando com Gabriel Jesus, e
perdendo de 95% para Philippe Coutinho. Meu Deus, que injustiça e ingratidão.
Acode-me agorinha a lembrança de que o dramaturgo Tennessee
Williams fez o elogio do jogador de futebol americano Joe de Maggio, porque foi
o único em sua época a fazer mais gols (ou pontos). Com tal veemência e
assiduidade, que pode conquistar a mulher mais desejada dos anos 1950, Marylin
Monroe.
Às vésperas do jogo desta sexta-feira de que
saímos eliminados , assisti ao poeta Antonio Cícero dizer na
Academia Brasileira de Letras que Filosofia e Poesia se encontram e se fundem
no espanto e no assombro. Tal qual o futebol, penso eu, cujo único tempo de
encontro é também o espanto e o assombro que só o gol permite irromper. Como
teria lembrado outro poeta da Academia Domício Proença Filho (cito sem
permissão), só mesmo o gol a penetrar no quadrado com a sacralidade de um pênis
certeiro. Para explodir em gozo na rede vaginal.
Ricardo
Cravo Albin
Presidente
do Instituto
Cultural
Cravo Albin
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