O IMPOSSÍVEL ACONTECE
“O impossível acontece”
era uma coluna de humor, da antiga revista O Cruzeiro. No mundo real acontecem
coisas inimagináveis. Nada a lamentar, salvo quando se trate de tragédia. A
matança em nosso país, com destaque para o nosso Estado e a nossa cidade, caso
fosse descrita há alguns anos, não seria desacreditada. Massacres são
praticados na “Oropa França e Bahia”. Nos EUA tornaram-se frequentes. Até na
Noruega já houve chacina. Alguém ou algumas pessoas praticam múltiplos homicídios
e se evadem, são mortos pela polícia ou escolhem a via do suicídio. É difícil
evitar tais desatinos.
Outra coisa é despejo
de famílias das suas casas pelas facções criminosas. Quem toma uma casa
pretende usá-la. Não se evade simplesmente após o crime. É como se o homicida
permanecesse no local do assassinato, desafiando as autoridades. Pior ainda
quando isso acontece repetidas vezes. É pouco? Tem mais. Quadras inteiras têm
sido usurpadas pelos criminosos. Conjuntos habitacionais inteiros estão sob
ameaça. Reintegração de posse? Não tenho notícia. Isso é impossível, mas,
tragicamente, acontece.
Talvez os proprietários
despejados não se sintam protegidos pelas autoridades para voltar às suas
residências. Isso explicaria a não restituição do imóvel, atestando igualmente
a insegurança na periferia. Mas os novos usuários dos imóveis esbulhados
poderiam ser alcançados pela lei. Algum deles já foi pego? Não tenho notícia
disso.
A vida é o maior bem
jurídico, é tutelado pelo Estado com as maiores penas. As chacinas são,
compreensivelmente, o crime mais chocante. O controle territorial por parte de
quem despeja famílias de suas residências – e nelas se instala impunimente – é
uma evidência da perda de controle, pelo Estado, do território e da violência.
Não é preciso ser hobbesiano para admitir que sem estes dois itens o Leviatã
não passa de uma fantasia. Uma quadrinha popular de outrora dizia: “Não tenho
medo de homem/ Nem do ronco que ele tem/ Pois besouro também ronca/Vai-se olhar
não é ninguém”. O falso Leviatã ronca, mas não passa de um besouro.
Chegamos ao ponto da
falência completa dos poderes públicos. Milhares de mortes indicam a existência
de uma conflagração. A perda de território evidencia que as tropas supostamente
a serviço da paz social estão batendo em retirada desordenadamente. Bandido não
tem medo de besouro. Os agentes do besouro estão intimidados, constrangidos que
foram a fazer guerra sem o uso da violência. Tal coisa é uma modalidade de
impossível que não acontece.
Fortaleza, 04 de
janeiro de 2018.
Rui Martinho Rodrigues.
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